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Sonhos: O Inconsciente Manda Notícias

(Revista Superinteressante)
O sonho tem provocado a curiosidade humana desde a Antigüidade, mas só nesta segunda metade do século as descobertas sobre ele ganharam aval científico. Apesar de os gregos o utilizarem como instrumento de cura já no século VI e a psicologia atribuir-lhe papel importante na saúde física e emocional desde 1900, data da publicação do livro A Interpretação dos Sonhos, do psiquiatra austríaco Sigmund Freud, a ciência só foi comemorar na década de 50 o que considerou sua maior descoberta em relação aos sonhos: a de que eles acontecem numa fase do sono chamada REM (iniciais de Rapid Eye Movement, ou movimento rápido dos olhos). O primeiro período REM dura de cinco a dez minutos, mas, ao longo da noite, ele se repete em versões cada vez mais longas, de até 30 minutos. Daí a sensação de ter sonhado a madrugada inteira e despertar, muitas vezes, sob o impacto emocional que eles provocam.
O psiquiatra Renato Ramos, do Hospital das Clinicas de São Paulo, explica que traumas muito fortes (como assaltos, seqüestros, estupros, guerras) podem gerar sonhos repetitivos em que esses acontecimentos são revividos, e dos quais as pessoas acordam deprimidas, ansiosas, com sudorese e taquicardia. Esse é um dos sintomas de uma doença­ que a psiquiatria hoje chama de Distúrbio do Stress Pós-Traumático. Os sonhos também têm papel destacado na depressão: os médicos descobriram que a doença melhora quando os sonos REM são suprimidos através de medicamentos, embora não saibam explicar por que isso acontece. Também se atribui ao conteúdo emocional dos sonhos certas alterações orgânicas da fase REM, como a variação da freqüência cardíaca, da respiração e da pressão arterial. "É interessante observar que nesse momento os músculos do corpo ficam paralisados mas a atividade do cérebro aumenta, como se a pessoa estivesse acordada e ativa. Por isso o REM é chamado também de sono paradoxal", conta Stella Maria Tavares, médica polissonografista (especialista em distúrbios do sono) do Laboratório do Sono do Hospital das Clínicas e do Hospital Albert Einstein, de São Paulo.
Freud e seu ex-discípulo suíço, o psiquiatra Carl Gustav Jung - os maiores pesquisadores do sonho em todos os tempos - , já sabiam que o conteúdo dos sonhos altera as condições do organismo e que essa alteração está diretamente ligada às emoções. Para os dois psiquiatras, os sonhos trazem à tona energias primitivas poderosas, muitas vezes incontroláveis, aprisionadas na parte desconhecida da mente humana: o inconsciente. "Por isso é tão importante prestar atenção aos sonhos. Eles fornecem pistas sobre as forças que influenciam, determinam e podem modificar nosso comportamento e nossa personalidade", diz Leda Cepeda Rico, psicóloga de formação junguiana.

DESEJOS REPRIMIDOS

Essas pistas podem ser encontradas tanto na forma manifesta dos sonhos (a história que eles contam, seus personagens e cenários) como no significado mais profundo de cada um desses elementos. O primeiro caso estaria ligado a tudo o que a pessoa experimenta no momento: preocupações, alegrias, sentimentos, situações vividas ou por viver. Misturam-se aí, sem nenhuma cerimônia, a festa da noite anterior, a ansiedade pela entrevista profissional marcada para dali a uma semana, a última cena com um grande amor, a rua da infância, amigos, familiares e pessoas aparentemente desconhecidas. Esse conteúdo manifesto esconde o que Freud batizou de conteúdo latente: as emoções que estão por trás de cada situação, lugar e personagem, e que só podem ser reconhecidas pela análise profunda do sonho.
Para Freud, o conteúdo latente revela impulsos e desejos reprimidos cotidianamente por pressões externas (regras sociais) e internas (proibições acumuladas desde a infância). As inevitáveis frustrações que carregamos ao longo da vida formam um material explosivo, que busca expressão através dos sonhos, explica a psicanalista Luda Barbero Fuks, professora do Departamento de Psicanálise do instituto Sedes Sepientiae, de São Paulo. Em outras palavras, o sonho cumpre uma função importante para o equilíbrio emocional humano, graças a sua capacidade de elaborar conflitos emocionais.
Para os junguianos, os sonhos desempenham também o papel de alertar para atitudes inflexíveis que a consciência não percebe. A psicóloga analítica Denise Ramos, de São Paulo, lembra o caso de uma paciente, "professora universitária, 48 anos, solteira e puritana, que só se vestia de branco e ia à missa aos domingos, quando confessava e comungava". Ela costumava se ver, nos sonhos, suja de excremento. "Era um protesto do inconsciente pela rigidez com que essa paciente conduzia a vida e uma oportunidade para que ela fizesse uma reflexão sobre seu comportamento", analisa Denise. Mas são as imagens menos diretas, incompreensíveis do ponto de vista racional, que compõem os sonhos mais ricos em conteúdo.

PECADO E PRESSÁGIO

Os neurologistas diriam que o neurotransmissor (substância que faz a ligação  entre os neurônios) acetilcolina, ao atingir a região do cérebro responsável pela visão e dar início ao sonho, pode realmente criar imagens sem sentido, por­que estimula um ponto e outro aleatoriamente, sem a ordem exigida pela retina.
Essa revelação, feita no ano passado pelo psiquiatra Allan Hobson, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, não tira, porém, a excentricidade de certas figuras oníricas. Freud dizia que elas usam o disfarce da extravagância para driblar a censura da consciência, que, embora fraca, continua ativa durante o sono. "É fundamental descobrir o que está atrás do disfarce porque ali se encontra algo vital, tão forte que a consciência não agüentou ver o que era", alerta Lúcia Fuks.
Jung, por sua vez, defendia que os símbolos dos sonhos fossem analisados de duas maneiras: pessoal e universal. Um pomar cheio de maçãs, por exemplo, pode ter um significado na biografia do sonhador, mas também um sentido mais amplo, à medida que a maçã, entre os povos cristãos, está associada ao pecado de Adão e Eva, símbolo de repressão, culpa e castigo. Há símbolos mais universais ainda, que acompanham o homem há milênios e que aparecem em sonhos de pessoas que nunca os viram nem deles ouviram falar. Essa constatação levou Jung a estudar as mitologias de diversas civilizações e a desenvolver o conceito do inconsciente coletivo, o patrimônio psíquico-cultural da humanidade. Isso explicaria por que alguém, numa cidade cosmopolita como São Paulo, pode sonhar com um ritual primitivo da África, do qual nunca teve notícia. Essas imagens já estariam gravadas nos "genes" da mente humana. Chegariam até nós por herança psíquica.
Não é só. Jung concluiu que, além de ter um arquivo do passado, o inconsciente, por ser atemporal, pode também visitar o futuro e trazer de lá o que ainda não aconteceu (fenômeno que mais tarde a física quântica comprovaria como teoricamente possível). Foi essa a explicação que ele encontrou para os sonhos premonitórios, como o do ex-presidente norte-americano Abraham Lincoln, que anteviu sua própria morte, ou de algumas pessoas que se recusaram a embarcar no transatlântico Titaníc por ter sonhado com seu naufrágio.
O irônico é que essas sofisticadas "viagens ao futuro" dependem de uma função básica e prosaica dos sonhos: a de proteger o sono. E o sonho cumpre sua tarefa aplicadamente. Sempre que algum estímulo externo ameaça o sono, um ruído, por exemplo, o inconsciente se encarrega de incorporá-lo ao sonho, criando imagens ligadas a sons - um aeroporto, uma festa, um apito. Tudo para evitar que o "sonhador" desperte.      
 Por Bernadette Siqueira Abrão

Interpretação e Significados

Quando se fala em significado dos sonhos, os freudianos reagem. Dizem que é impossível generalizar uma experiência exclusivamente pessoal. Os junguianos pensam diferente. Apesar de reconhecerem a experiência onírica como individual, vêem nela pontos comuns a grande parte dos seres humanos. Aqui vão alguns, selecionados pela psicóloga Leda Cepoda Rico. Ela avisa, porém, que esses significado não são regra geral e que só têm sentido quando associados à vida do sonhador.
 1. Primeiro, considere o sonho da maneira como ele se apresentou: qual era a situação, quem apareceu, se houve algum fato ou objeto estranho, de que cor, de que tamanho. Relembre se algo o assustou, como você se sentiu, o que pensou, o que cada elemento significa na sua vida, que sentimentos despertou.
 2. A maioria dos sonhos é em preto-e-branco ou em cores leves. Cores vibrantes normalmente são um aviso para dar mais atenção à vida afetiva, que anda bloqueada, sem ter como se manifestar.
 3. Chegar atrasado e fazer testes: dependendo do contexto, pode significar um certo desconforto com relação a determinados papéis sociais.
 4. Pesadelos mostram um conflito profundo. A ansiedade é tão grande que o sonhador não agüenta e dá um jeito de fugir das imagens que o assustam: acorda. E quase como se o inconsciente dissesse "olhe, acorde para essa situação".
 5. Sonhar que se está nu num ambiente público normalmente sugere uma inadequação da Persona, a "roupa" que vestimos para nos relacionarmos com o mundo. É importante atentar para o local, se havia conhecidos em volta, o que cada pessoa estava fazendo, como encarou a nudez; para se saber as causas dessa inadequação.
 6. Relações homossexuais significam uma afirmação da própria sexualidade e não o contrário, como se poderia imaginar.
 7. Agressões físicas ou psicológicas: ocorrem normalmente em fases depressivas, quando a pessoa sente falta  de recursos internos para lidar com conflitos.
8. Sonhar com a própria  morte, nascimento ou gravidez indica que o fim de uma etapa da vida está próximo. É preciso "morrer" para dar lugar à nova fase.
9. Querer  fazer algo e não conseguir é uma situação aflitiva que diz respeito a algum conflito desconhecido do sonhador. Assusta, mas chama a atenção para um potencial que está querendo despertar e luta para se expressar.
10. Animais sem pele e catástrofes naturais como terremotos e enchentes indicam que o consciente tem dificuldades em agüentar o peso que tem ou terá que carregar.
11. Animais ferozes, monstros e figuras primitivas alertam para a necessidade de maior clareza, evolução e refinamento. Quando o problema começa a se resolver, essas imagens mudam e mostram animais domésticos e seres humanos.
12. Os desfechos dos sonhos são muito importantes. Quando a situação imaginada não acaba bem é porque os problemas vividos pedem mais cuidado e reflexão. Se o sonho tiver um happy end, porém, significa que a resolução do conflito está prestes a acontecer.
13. É comum que nos sonhos seja projetada a sombra do sonhador, isto é, os aspectos internos que ele desconhece ou rejeita. Enquanto esse aspecto não se integrar á consciência, nem for aceito, continuará incomodando.
(B.S.A.)

Como se lembrar deles

Caso o problema esteja em lembrar os sonhos, um conselho: quem não tiver disposição real de investigar o mundo interior, não deve se obrigar a isso. Em todo caso, existem algumas técnicas que podem ajudar na tarefa de recordar os sonhos. Uma delas é acordar e, sem se mexer, relaxar os músculos e manter os olhos fechados e a respiração solta. Isso facilita a recuperação das imagens. Outra técnica é fazer um registro do sonho: caderno e caneta, ou gravador, devem fazer parte do arsenal de quem pretende conquistar o inconsciente. Anotar (ou contar) o sonho antes de levantar da cama é uma boa estratégia, porque ao longo do dia pode-se esquecer detalhes importantes. Além disso, as anotações são um meio excelente de acompanhar o desenvolvimento interior, descobrir potenciais e se conhecer melhor.

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