Pular para o conteúdo principal

"Estamos sempre correndo atrás. O que ninguém sabe é atrás de que.



Karla Monteiro

RIO - Professor emérito das universidades de Leeds e de Varsóvia, 83 anos, autor de best-sellers como "O mal-estar da pós-modernidade", "Modernidade líquida" e "Amor líquido", o sociólogo polonês Zigmunt Bauman é um ferrenho analista das consequências sociais do que conhecemos como progresso. Nesta entrevista por email, ele discorreu sobre a correria do nosso tempo com o seu jeito claro, objetivo e muito particular.
O GLOBO: O que mudou na nossa percepção do tempo com o avanço das tecnologias de comunicação? Por que andamos com tanta pressa?

ZIGMUNT BAUMAN: Na sociedade contemporânea, somos treinados desde a infância a viver com pressa. O mundo, como somos induzidos a acreditar, tornou-se um contêiner sem fundo de coisas a serem consumidas e aproveitadas. A arte de viver consiste em esticar o tempo além do limite para encaixar a maior quantidade possível de sensações excitantes no nosso dia-a-dia. Essas sensações vêm e vão. E desaparecem tão rapidamente quanto emergem, seguidas sempre de novas sensações a se perseguir. A pressa - e o vazio - é fruto disso, das oportunidades que não podemos perder. Elas são infinitas se acreditamos nelas.

O GLOBO: Como chegamos a esse ponto de estresse e, talvez, cegueira?

ZIGMUNT BAUMAN: Cegueira? Depende de como você olha para o comportamento atual. Muitas pessoas, especialmente os jovens que nunca viram outras formas de viver, diriam que eles mantêm os olhos e os ouvidos muito abertos, e estão muito mais alertas e vigilantes do que os mais velhos, que viveram épocas menos frenéticas. Eles diriam mais: que estando tão alertas, e rapidamente pegando no ar as possibilidades, eles são os sábios, os que sabem viver a sua época. Esse ritmo é o ritmo do tempo que habitam, um tempo que abortou o que eu chamaria de tempo livre, o tempo não preenchido com o consumo de imagens, sons, gostos e sensações táteis. Somos dependentes dos estímulos externos: as mensagens que chegam no celular, o iPod, as conversas pela internet. A alternativa para o tempo não preenchido com esses estímulos não é mais vista como tempo de reflexão, de auto-questionamento, de conversa consigo mesmo, mas de tédio. Nós somos seres que se escoram no que vem de fora. Perdemos a capacidade de nos auto-estimular. Estar sozinho - a liberdade de gastar o tempo com nossos próprios pensamentos, per$e sonhada por nossos ancestrais - é identificado hoje com solidão, com abandono, com a sensação de não pertencer. No MySpace, no Facebook ou no Twitter, o ser humano enfim conseguiu abolir a solidão, o olho no olho consigo mesmo.

O GLOBO: O que o senhor apontaria como o epicentro da aceleração que tornou o mundo tão rápido e tão raso ao mesmo tempo?

ZIGMUNT BAUMAN: A sociedade pegou a estrada de uma vida orientada somente pelo consumo. O ser humano autossuficiente e satisfeito nas suas necessidades materiais ou espirituais perdeu o jogo para o mercado. Qualquer caminho que satisfaça os desejos e que não esteja ligado a compras e lucros é amaldiçoado. Vivemos o tempo do conecta e desconecta.

O GLOBO: Quando visitamos lugares como o Tibete temos a impressão de que eles vivem outro tempo, que têm um relógio diferente do nosso. Quem está mais próximo do tempo real, os tibetanos ou os nova-iorquinos, por exemplo?

ZIGMUNT BAUMAN:O tempo jorra em todos os lugares. E nós envelhecemos no Tibete ou em Nova York. Mas a experiência da passagem do tempo nós organizamos de maneira diferente, dependendo da sociedade em que estamos inseridos. Na maior parte da história da Humanidade, tínhamos basicamente duas formas de organização: o tempo cíclico, que se repete dia após dia, ano após ano, vivido pelas sociedades agrárias, como o Tibete. E o tempo linear, que marcha, move em direção ao futuro, dominante nas sociedades industriais e que expressa essa ideia de modernidade, progresso. O que estamos percebendo em Nova York - ou no Rio - é uma terceira e relativamente nova organização do tempo, que ganha terreno no que eu chamo de modernidade líquida: uma forma de vivenciar a passagem do tempo que não é nem cíclica e nem linear, um tempo sem seta, sem direção, dissipado numa infinidade de momentos, cada um deles episódico, fechado e curto, apenas frouxamente conectado com o momento anterior ou o seguinte, numa sucessão caótica. As oportunidades são imprevisíveis e incontroláveis. Então a vigilância sem trégua parece imprescindível. Esse tempo da modernidade líquida gera ansiedade e a sensação de ter perdido algo. Não importa o quanto tentamos, nunca estaremos em dia com o que aparentemente nos é oferecido. Vivemos um tempo em que estamos constantemente correndo atrás. O que ninguém sabe é correndo atrás de quê.


Leia mais: http://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/zigmunt-bauman-estamos-constantemente-correndo-atras-que-ninguem-sabe-correndo-atras-de-que-273321.html#ixzz2SkaXS9xn

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um exemplo

Bom dia meu amigo, tudo bem? Sou Mateus Macabu, Asessor do Vereador Wellington Santos, quero passar pra você uma breve prestação de contas do Mandato do Vereador. O vereador Wellington Santos representa 24,37% das matérias em debate na Câmara Municipal de Casimiro de Abreu. Temos 08 Leis em execução no Município, como a Lei n. 2248/2022 e a Lei 2249/2022, a primeira que garantiu acesso da rede de Wi-Fi para todos os usuários do nosso Hospital, a segunda garante a isenção do IPTU a templos religiosos em forma de comodato ou aluguel. Dentre as 179 indicações na Câmara Municipal, temos dezenas executadas, como a Indicação n. 946/2021 que criou o grupamento da Romu em Casimiro de Abreu, trazendo mais segurança para nossa população, a Indicação n. 474/2023 que criou o Comitê de Segurança Escolar, com vários segmentos da nossa Sociedade, em um momento que vivíamos de grande apreensão nas Escolas. Somos o único Vereador que possui Gabinete Avançados para atender a população, sendo 01 em C

Nathaniel Townsley Live at Triple

Herbie Hancock Quartet München 1991