Publicado
em 26 de junho de 2014 por Redação
Reflexões
sobre o sistema eleitoral brasileiro. Ao permitir que empresas financiem
partidos e políticos, ele institucionaliza a corrupção e tende a descartar quem
não aceita se vender
Por Dão Real Pereira dos Santos*, do IJF
Quando votei em 2010, eu não sabia
tudo o que deveria saber sobre o meu candidato. Conhecia sua história e
acreditei em suas promessas. Acho que até ele mesmo acreditava. Assim como
muitos eleitores, eu não me considerava um simples eleitor. Ajudei na campanha,
no convencimento de outros eleitores de que ele era um bom candidato. Afinal,
ele vinha do nosso meio, era uma pessoa que conhecia a realidade das pessoas e
o sofrimento daqueles que mais precisavam de um Estado justo e solidário, tinha
sido um ativista dos movimentos sociais no passado. Era de um partido histórico
que sempre representou as bandeiras históricas de construção por uma sociedade
mais justa.
O que eu
realmente não sabia – e ele também nunca disse – era que, antes mesmo de ser
eleito, já estava comprometido com os seus financiadores. Ele certamente nunca
teve dúvidas de que não se tratava de uma simples doação, mas de um negócio.
Aliás, uma coisa não dá para negar: o meu candidato é um cara muito inteligente
e esperto. Portanto, não há dúvida de que ele sempre soube que os empresários
que pagaram os custos da sua campanha só o fizeram com o intuito de obter
ganhos com ele caso fosse eleito.
Estou certo de que isso deve ter sido
dito de forma muito clara desde o início, quando da captação dos recursos. E se
não foi, não tinha como não saber que se tratava de um contrato. Enfim, não é
razoável imaginar que um empresário vá investir seu capital em negócios que não
deem retorno. Mesmo sabendo disso, ele aceitou o dinheiro, portanto, aceitou o
preço e, se tem outra coisa que não dá para negar, é que meu candidato não
daria o calote em um credor. Dívida é dívida, e ele sempre foi muito bom
pagador.
Mas eu não sabia que o meu voto era
só uma forma de ele poder pagar a sua dívida eleitoral. A bem da verdade, não
posso dizer que ele não tenha sinalizado algum esforço para implementar os
grandes projetos sociais prometidos e que foram determinantes em sua expressiva
votação. Mas como ele já estava vendido, e os tais grandes projetos sociais
acabariam certamente contrariando os interesses dos seus credores, este esforço
não passava de mera tentativa de manutenção de um minguado vínculo comigo e com
os milhares de eleitores que se imaginavam representados.
O dilema do candidato se resume a
decidir se vai enganar o eleitor ou o credor. Abstraindo as considerações de
ordem moral, a escolha acaba ficando muito fácil. Se não aceitar o investimento
dos empresários, estará concorrendo de forma absolutamente desigual e quase que
certamente não se elegerá; logo, por mais bem intencionado que seja, não
conseguirá implementar suas ideias.
Se aceita o investimento, poderia
escolher não enganar o eleitor dizendo claramente quais são os seus
compromissos com os seus credores e, muito provavelmente, não se elegeria.
Enganando o eleitor, há grande chance de se eleger e então, diante da cobrança
das dívidas de campanha, se verá obrigado a não implementar as suas/nossas
ideias. Ainda restaria a opção de enganar o credor e não pagar as dívidas, mas
alguém votaria em um caloteiro? E quem o financiaria novamente?
Parece uma armadilha, e é realmente
uma armadilha. O papel do candidato se reduz a capturar a simpatia dos
eleitores, ainda que seja vendendo a ilusão de que vai representá-los e lutar
pelas suas expectativas de construção de uma sociedade mais justa para, depois
de eleito, passar a representar as forças econômicas que lhe garantiram os
recursos financeiros e que foram determinantes para que chegasse até ali.
Enfim, neste jogo, meu candidato é um
vencedor. Fez o papel que lhe cabia fazer e acha que mereceu o prêmio. Mas eu
perdi sem saber que estava jogando. Fui enganado, pois não sabia que meu
candidato já estava vendido.
(Este é um texto de ficção.)
*Sócio
fundador do Instituto Justiça Fiscal
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