Os tigres de papel
Montaram um circo de ilusões e o circo pegou fogo. Mas pode deixar: outros circos montarão
Ninguém pode calar diante do circo montado depois da hora e meia da terça-feira, 8 de julho, quando os deuses do Olimpo, que mobilizavam 200 milhões de brasileiros e outros tantos estrangeiros, caíram dos seus cavalos e revelaram que não passavam de tigres de papel, forjados por uma máfia de interesses reproduzidos em letras garrafais pela mídia que, sob patrocínios bilionários, os vendeu à massa hipnotizada como os mais reluzentes exemplares da raça brasileira. E que, diante do apocalipse, os transformou sumariamente nos inimigos perversos dos nossos pétreos sonhos de taças e medalhas.
Todo mundo viu que esse grupo de atletas de mercado teria perdido da Costa Rica ou da Argélia, se diante de um confronto direto. Só os absolutamente míopes, os idiotas, os inocentes úteis, enfim, só as presas fáceis desse sistema de mentiras e ilusões podiam acreditar que essa turma escalada por agentes de alto poder corruptor podia chegar a algum lugar: todas as partidas anteriores compuseram uma sinfonia da mais absoluta mediocridade, da falta de vocação e até mesmo de traquejo em campo.
Os mais ladinos, como os marqueteiros das Casas Bahia,demonstraram maior conhecimento do futebol ao oferecerem um segundo aparelho de televisão por R$ 1,00 na compra de outro caso a seleção brasileira ganhasse a copa. Eles, que sabem jogar com a sofreguidão consumista de uma população doentia, sabiam que a loja poderia oferecer de graça todo o estoque de televisões do país que, se dependesse daqueles mercenários festejados e daquele sargentão decadente não corriam nenhum risco de ficar no prejuízo.
O que ninguém contava era com sete gols alemães sem nenhuma dificuldade. Essa mesma equipe teve de ir para a prorrogação para derrotar a modesta Argélia e também não fez uma campanha convincente. Esses sete gols, que poderiam ter sido dez se não fosse por ordens superiores da cúpula adversária, vão desenhar a lápide de uma sepultura a céu aberto: com a inescrupulosa mercantilização do futebol e seu domínio pela fina flor da ladroagem não há o que se esperar de jovens que já dão alguns dribles pensando na Europa, onde os clubes empresas superfaturam nas contratações para a fartura das propinas distribuídas.
Ao contrário do que dizem, não há lição a tirar do vexame do Mineirão. Não há por que essa palavra não existe mais nos dicionários de pessoas ensimesmadas, ambiciosas, individualistas, insaciáveis, que só conhecem os caminhos dos atalhos sórdidos para sustentarem suas personalidades escabrosas, sua sede de poder, qualquer poder.
O fiasco da terça trágica é pouco diante de toda a irresponsabilidade e de tanta comilança na montagem delituosa de todo o arcabouço da copa no Brasil. Foram mais de 30 bilhões retirados dos nossos cofres públicos para construções superfaturadas de estádios que já são verdadeiros elefantes brancos. Esses valores somam mais do que os gastos das três últimas copas, o que dá uma ideia da gastança perdulária que acometeu governantes em todos os níveis – federal, estaduais e municipais.
Foram muitos "esquemas", alguns já desmascarados, como essa quadrilha dos ingressos, cujo cabeça, um inglês da copa e da cozinha da FIFA e da CBF, foi logo beneficiado por uma ordem de soltura de uma desembargadora, menos de 12 horas depois de levado à delegacia com todas as mesuras, enquanto os peixes menores permaneciam presos até o momento em que escrevo.
Quando digo que não há lição a tirar é por que, a sermos justos e honestos, neste momento, neste país, ninguém pode atirar a primeira pedra. Ninguém. Nem mesmo o povo como um todo social pode ser apontado como vítima, por que também esse povo aí entrou na dança, perdeu totalmente seu juízo crítico, acomodou-se nas almofadas de um sistema viciado em oferecer migalhas e em distorcer a própria estrutura civilizatória: hoje, cada um briga para não trabalhar, para viver às custas dos outros, trocando o esforço laboral pelo ócio dos feriadões, aceitando qualquer penduricalho como remuneração desde que pelo trabalho mínimo.
Essa copa de futebol caiu como uma luva nas mãos dos incompetentes, dos picaretas e dos irresponsáveis, paralisando impunemente a atividade produtiva: qualquer joguinho no Maracanã acarretava um feriado extemporâneo, com prejuízos para a vida econômica consistente e favorecendo tão somente os sem escrúpulos, que chegaram a cobrar até R$ 100,00 por um vaga num estacionamento e que deslocaram para o volúvel especulativo a pecúnia disponível.
Não pense que o choque dos 7 a 1 vai mudar alguma coisa no futebol. Nem que a frustração generalizada repercutirá sobre uma sociedade fascinada pelo capitalismo selvagem e sobre uma classe política prostituída.
Daqui a pouco, não se falará mais nisso. Os atletas de mercado estarão correndo atrás do dinheiro farto numa Europa paradoxalmente falida, os cartolas e as máfias subjacentes continuarão tirando proveito da despolitização de um povo que até ontem estava propensa a se endividar por um ingresso na final, enquanto os banqueiros, os empresários corruptores e os políticos corrompidos estarão se apresentando à distinta platéia como a salvação de um país que não sabe para onde vai, por que também não sabe o que quer.
Não digo que já cansei de ver tantas trapaças e tantas farsas por que, por minha natureza quixotesca, se der uma paradinha numa hora dessas a morte me acolhe de vez.
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