Publicado
em 18 de maio de 2014 por Inês
Castilho
Governo
foi tímido na questão da comunicação, e talvez Dilma esteja pagando um preço
alto por isso. Mas quem perde é sociedade brasileira
Por Luís Vita
Não é
novidade pra ninguém habituado a consultar mídias alternativas que a grande
imprensa é antiesquerdista por princípio e antigovernista por opção política. O
apelido PIG – Partido da Imprensa Golpista, uma referência a porco, em inglês –
não é só uma alusão à atuação conspiratória da mídia contra o governo e as
demandas populares, mas também uma acusação ao papel partidário que adota.
Desde
pelo menos o golpe de 1964 a mídia se tornou ator central da opinião pública
nacional, trabalhou para fundamentar o golpe, e até hoje expressões como
ditabranda podem ser encontradas em editoriais. Obviamente as redações dos
órgãos de imprensa não eram formadas apenas por apoiadores do golpe, mas a pressão
exercida sobre editores e jornalistas adestrou o comportamento da opinião
pública. A velha mídia é constituída por empresas, e as empresas tratam as
questões políticas como uma questão econômica – não exatamente macroeconomia,
mas microeconomia, as contas domésticas. Nacionais e internacionais.
Joseph
Nye, um consultor do departamento de Estado travestido de intelectual orgânico,
define muito bem o poder norte-americano. Aponta suas duas origens: Hard Power
e Soft Power (em má tradução, poder duro e poder brando; poder militar e poder
ideológico seria mais exato). O que melhor traduziria o poder ideológico que o
poder midiático? A proposta de leitura do contexto internacional criado pela
Guerra Fria, na mídia periférica – entre elas a brasileira – foi a necessidade
de se alinhar partidarização política em defesa de regimes opressores e aliados
aos interesses do grande capital em troca de propaganda e financiamento.
Corporações
compravam – e compram – propaganda. Em troca, querem as notícias certas.
Corporações internacionais norte-americanas sempre financiaram ações da
política externa naquele país. Nessa estratégia, buscaram oligarquias locais
para sustentar internamente suas políticas. Aliado a isso, regimes ilegítimos
colocaram suas estatais e órgãos de comunicação para comprar propaganda. Soft
Power e Hard Power significam isso.
Nem
sempre a força militar é suficiente para impor o silêncio à sociedade civil. A
inovação do departamento de Estado dos Estados Unidos é que eles passaram a
oprimir opositores internacionais e comprar silêncios. Os regimes das
oligarquias locais e seus apoiadores internacionais financiavam e ainda
financiam a grande imprensa. E a grande imprensa não tem mais condições de
descolar-se disso. Boa parte da literatura em Ciência Política – José Luis
Fiori, Emir Sader, Boaventura de Sousa Santos etc – define o neoliberalismo
como a invasão estrangeira sobre os países periféricos, mas sugiro que, como
estratégia, isso tenha surgido já nos anos 1950 do macarthismo.
Quando
houve o processo de transição para as democracias na América Latina, os
governos democráticos assumem ou mantém o mecanismo de financiamento da mídia,
entre outras coisas porque não vai conseguir apoio e legitimidade dos veículos
de imprensa sem a manutenção do esquema que inevitavelmente concentrou a
imprensa. Vejam o que aconteceu com Cristina Kirchner e o Clarín, na Argentina,
e o que aconteceu com Hugo Chaves e a PDV, na Venezuela. Não por acaso, cada
país da América Latina tem seu grupo midiático hegemônico. E neste caso não se
trata simplesmente de manter a propaganda governamental e das empresas estatais
nas páginas dos jornais e revistas, mas também de manter o acesso dos
interesses do grande capital nos governos e o acesso privilegiado à informação
dos âncoras dos principais órgãos de imprensa. São essas as fontes que fazem
com que a mídia tenha sua capacidade de financiamento ativa e seu poder de
influência perpetuado. O capital midiático nacional está comprometido,
associado e dependente do capital corporativo internacional.
Mas, fica
a pergunta: por que a mídia brasileira tornou-se praticamente o principal
partido de oposição? Obviamente porque o governo tem trabalhado, consciente ou
inconscientemente, na contramão das três principais fontes do poder da mídia
brasileira.
Os
governos que assumiram após 2002, primeiro, fizeram uma tentativa de
ressuscitar interesses nacionais e corporações nacionais para concorrer no
mercado interno e externo. Segundo, reduziram o financiamento público e da
propaganda governamental na grande mídia e tentaram pulverizar o financiamento
da comunicação governamental (mesmo que timidamente). Terceiro, e talvez mais
impactante, não mostraram a necessidade de se legitimar na mídia e dar a ela
acesso privilegiado à informação.
Esta
terceira ação do governo, ainda que bastante modesta, talvez seja a principal
mudança conjuntural das comunicações no Brasil desde o golpe de 1964. O fato de
o governo Lula e a sua posse não ter se legitimado na grande mídia e até mesmo
a ausência de necessidade de Lula falar com seus apoiadores via mídias foi um
grande golpe naquela imprensa ligada à legitimação dos governos e ativa como
Soft Power.
Lula não
teve apoio dos grandes veículos de comunicação, e mesmo que não tenha agido
sistematicamente para multiplicar e descentralizar o acesso e os meios de
comunicação, agiu no sentido de não se pautar ou se legitimar pelos meios de
comunicação. Isso, por si só, é uma mudança que compõe uma ruptura fundamental
em relação a pelo menos o regime de 1964. Mudança que Dilma aparenta
dificuldade em manter…
Desde
1964 todos os governos precisavam de legitimidade institucional porque não
dispunham de nenhum canal de comunicação popular que os legitimasse. Ao
derrubar Jango, os presidentes militares precisavam de todo aparelho ideológico
de que dispusessem para manter o poder, diante da fissura que realizaram nas
instituições da sociedade civil. A mídia era personagem central. Sarney idem,
herdou o trono de Tancredo e não podia se dar ao luxo de não se apoiar em
propaganda midiática. Collor, então, foi a expressão cabal da importância e
influência da mídia. Forjado nas redes de televisão e jornais, foi também o
maior exemplo dessa esquizofrenia brasileira. Itamar não teve força para agir e
FHC foi o que melhor contemplou os interesses que se manifestavam desde os
militares, porque reforçou a presença das corporações internacionais no país,
promoveu privatizações e conseguiu aliar os interesses internacionais em pauta
com boa circulação na imprensa.
Lula
chega ao poder com um projeto próprio de governo. Um verdadeiro escândalo
àqueles que caminhavam soberanos nos corredores dos palácios, dizendo quais
informações eram relevantes e quais não eram. Concordemos ou não com Lula, seu
estilo próprio de comunicação é novidade. Uma enorme novidade. Os projetos de
poder, até então, não eram representados pelos partidos, mas pela aliança entre
capital internacional e empresas nacionais dependentes – incluindo a grande
mídia com seus empresários conservadores, associados ao capital internacional
em negócios dependentes do financiamento externo. Lula e os governos petistas
romperam com isso?
Seria
ingênuo dizer que sim, mas, ao não alimentar as engrenagens desses mecanismos,
criaram muitos ruídos e falhas de funcionamento na velha estrutura.
Para os jornalistas da grande mídia é um escândalo – repito, um escândalo – o PT ter um projeto de poder, uma estratégia para ganhar cada vez mais eleições. Mas, o que é um partido político se não uma associação que organiza um projeto de tomada do poder e governo? É pra isso que se constitui um partido político. E, neste sentido, ao ter uma pauta própria de governo, a maior ruptura realizada foi a retomada (pelo menos em parte) da agenda de governo. Sim, aconteceu o óbvio, mas um óbvio que não ocorria no Brasil desde 1964, ao menos. Agora, veja só que escândalo: o próprio governo reivindica fazer a pauta de governo.
Para os jornalistas da grande mídia é um escândalo – repito, um escândalo – o PT ter um projeto de poder, uma estratégia para ganhar cada vez mais eleições. Mas, o que é um partido político se não uma associação que organiza um projeto de tomada do poder e governo? É pra isso que se constitui um partido político. E, neste sentido, ao ter uma pauta própria de governo, a maior ruptura realizada foi a retomada (pelo menos em parte) da agenda de governo. Sim, aconteceu o óbvio, mas um óbvio que não ocorria no Brasil desde 1964, ao menos. Agora, veja só que escândalo: o próprio governo reivindica fazer a pauta de governo.
Quem se
acostumou a dizer o que deve ser prioritário? O que é emergencial, se é a
inflação ou o emprego, se é a política interna ou externa, se é a copa do mundo
ou a saúde pública? Quem dizia qual pauta deveria ser seguida era a mídia.
Editores tinham poder em relação a vários temas. Obviamente, no regime militar
o limite era não falar mal do governo, não acusá-lo diretamente, mas, entre os
temas discutidos, a mídia tinha papel de representar interesses incorporados ao
governo. E depois, na redemocratização, e até o final do século XX, foi
crescente a influência da mídia.
Talvez porque os elementos não estavam postos, ou porque não havia maturidade política, ou porque faltou apoio popular, ou porque faltou uma análise mais aprofundada, mas devemos reconhecer que o governo negligenciou essa área. Poderia avançar muito mais em questões como a descentralização e multiplicação dos espaços midiáticos, a pulverização dos recursos e a abertura da pauta e da informação.
Talvez porque os elementos não estavam postos, ou porque não havia maturidade política, ou porque faltou apoio popular, ou porque faltou uma análise mais aprofundada, mas devemos reconhecer que o governo negligenciou essa área. Poderia avançar muito mais em questões como a descentralização e multiplicação dos espaços midiáticos, a pulverização dos recursos e a abertura da pauta e da informação.
As ações
do governo tiveram que enfrentar momentos de crise instigados por uma imprensa
não só tendenciosa, mas raivosa. Na ausência de uma oposição com base social,
ela é hoje a principal oposição organizada. Nas suas constantes tentativas de
deslegitimar as políticas do governo e tentar conseguir apoio popular,
substitui qualquer liderança partidária.
O governo
foi tímido na questão da comunicação, e talvez Dilma esteja pagando um preço
alto por isso. Mas quem perde é a sociedade brasileira. Não temos um grande
veículo de esquerda circulando entre os maiores editoriais, são esparsas e cada
vez mais esmagadas as posições progressistas. Agora não se trata mais de uma
visão distorcida da realidade, porque só apresenta um lado da questão –
passamos para as visões tendenciosas, que se apoiam na ladainha da oposição
cega dos veículos de comunicação. Só isso explica a nova moda de quem acha que
questionar a Copa do Mundo é um ato de cidadania.
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