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Verdade Absoluta...

... apenas um conceito filosófico platônico/socrático.

 Segundo a tradição taoista não existe uma verdade absoluta que possa transformar alguém de forma compulsória, pois, tudo depende da qualidade de quem a recebe. Ou seja: “Se o sujeito errado usar o método certo, ainda assim o método certo dará errado”.
 
Nos mosteiros taoistas chineses os monges residentes recebem todas as noites monges peregrinos que não possuem uma morada fixa, nem a garantia de uma cabaça com alimento antes de adormecerem. Entretanto, para que possam usufruir destes benefícios terão que vencer um debate sobre o Caminho do Tao com os donos dos mosteiros. Caso consigam vencê-los terão direito ao pernoite e a uma cabaça com alimentos, porém, dia seguinte terão que continuar o seu caminho. O motivo dessa norma, é que o vencedor pode ser um ser dotado de um poder de articular bem as palavras, exprimir suas idéias com desenvoltura e, assim vencer na argumentação por ter o dom da retórica. Porém, não é o detentor da verdade! Essa verdade pode estar mais próxima do monge vencido, por não ter ele a facilidade de se expressar por sua modéstia. Sendo assim, não justifica a permanência do vencedor no mosteiro, dia seguinte.

Certa vez num mosteiro taoista, no período de Chou (722-481 a.c), dois irmãos, donos do mosteiro estavam se preparando para receberem a visita do monge peregrino Hui-Shi, simpático ancião, conhecido por sua grande sabedoria e conhecedor profundo do Caminho para um debate que provavelmente seria ele vencedor.

O monge mais velho do mosteiro era o não menos sábio Shang Yang, conhecido e famoso por não perder nenhum debate filosófico e místico-espiritual com os monges peregrinos que buscavam abrigo e alimento em seu mosteiro. Tinha como caçula, um irmão chamado T’ang. Esse, entretanto, era conhecido por sua arrogância, presunção e falsa modéstia. Acreditava-se que era assim, porque na sua infância fora ferido por um espinho de roseira em uma das vistas e, por isso, tornara-se caolho. A sua deficiência não podia ser escondida, estava “na cara”, literalmente. Sua vaidade fora invadida e o destino se impôs.
Shang Yang, ao contrário, estava sempre de bom humor, não havia criticas em suas palavras. Sabia ouvir sem ficar construindo internamente respostas que por certo abalariam os conceitos dos seus interlocutores. Era um homem gentil e sábio. Ao saber da visita do ilustre colega, pensou logo em fazer uma cortesia ao sábio monge que fora seu mestre no passado. Evitaria debater com ele, não era cortês, sabia. Desejava ter a oportunidade de conversar com ele sobre os “velhos tempos”, quando ele era apenas um jovem interessado e sonhador.

Hoje, pensara quem haveria de atender à porta do mosteiro seria o seu irmão mais novo, T’ang. Passaria prá ele essa responsabilidade, sabendo que ele de antemão ficaria eufórico com essa oportunidade de mostrar-se para o visitante. Ele, era um esforçado estudioso, conhecia o darma budista, assim como, o Hua Hu Ching, últimos ensinamentos de Lao Tzü; estudava o Caminho da Natureza – o Tao, através de Chuang Tzü, um pensador de vanguarda, representante da corrente taoísta do pensamento chinês, que era pródigo em divulgar as suas idéias através de parábolas, alegorias e paradoxos; sentia-se por isso, seguro e capaz através da sua erudição de enfrentar qualquer um, apesar de saber intimamente que a sua pretenciosa iluminação era como uma rã escorregadia, em suas mãos. Isso, o incomodava muito e contribuía de forma negativa em suas atitudes.

Seu irmão Shang Yang sabia que o mano não possuía as qualidades inerentes aos iluminados para debater com Hui Shi, porém, era a única saída que tinha para receber o ilustre sábio sem ter que enfrentá-lo.

Pensou longamente a respeito do tema que passaria para T’ang; era necessário evitar que o seu irmão cometesse através do debate alguma crítica leviana, destituída de mérito, que fosse indelicado ao questionar o saber do seu mestre Hui-Shi, porém, não podia dizê-lo. Sabia que o irmão não receberia bem a uma orientação baseada nessas premissas.

Depois de meditar a respeito, concluiu que o tema poderia ser expresso através de imagens, - uma metáfora de sinais, pensou! Tratou logo de procurar o seu irmão e passar o tema com as suas características. Teria que debater com o peregrino visitante com as mãos, através de gestos e vencê-lo, se possível.
T’ang, após ser notificado por seu irmão mais velho, ficou eufórico, sorriu com a certeza que sairia vitorioso, antecipadamente. A partir desse momento, uma “multidão” passou a fazer companhia dos pensamentos de T’ang, sua inquietação era grande, não havia mais espaço na sua mente para o “novo”. Numa visão analítica junguiana, o ser está “tomado pela anima”, perdeu o “feeling”, estava agora inquieto com a demora do peregrino.

Ao cair da tarde, bate à porta do mosteiro o velho monge Hui Shih, com um sorriso que revelava paz e sabedoria, sendo prontamente recebido por T’ang que foi logo dizendo: - Olha hoje o debate é comigo, meu irmão não se sente em condições de enfrentá-lo. - O nosso tema para o debate tem que ser desenvolvido através de gestos, com as nossas mãos, estamos de acordo?

O velho monge curvou-se com as mãos postas, em sinal de reverência, consideração e respeito pelo jovem monge.

- Pode começar, avisou T’ang!

 Mestre Hui Shih fitou-o demoradamente, o suficiente para deixar T’ang incomodado com essa atitude, depois, levantou a sua mão direita e mostrou o dedo indicador prá ele. T’ang inquietou-se ainda mais, porém, depois de uma breve pausa, mostrou os seus dois dedos da sua mão para o velho monge. Mestre Hui Shih, com um sorriso discreto, levantou novamente a sua mão direita e mostrou os seus três dedos prá T’ang.

Essa nova atitude do velho monge foi tomada por T’ang com surpresa e certa irritação, pois, de imediato e de forma agressiva levantou e mostrou para o sábio monge o seu punho fechado em riste. Hui Shih olhou admirado para o jovem monge e, inclinando-se com suas mãos postas, reverenciou mais uma vez o jovem monge, saindo em direção aos jardins do mosteiro, onde se encontrava o seu antigo discípulo Shang Yang, que ao vê-lo saindo, não se conteve em interpelá-lo: - Não consigo entender o que possa ter acontecido com o meu mestre para que esteja indo embora do nosso mosteiro? - O senhor foi molestado pelo meu irmão? – Não, de maneira alguma, Shang!  - Seu irmão é um jovem muito sábio, não consegui derrotá-lo através do debate com as mãos.

- Como? Arguiu Shang pro seu mestre. – Vou te contar como foi belo esse enfrentamento filosófico místico-espiritual, ainda mais, por ter ele usado uma técnica apurada de interpretação metafórica de imagens e sinais. Isso requer uma qualidade espiritual muito sutil, fora do comum, é a abordagem mais próxima da verdade absoluta. Lembra-te quando eu te instruía a respeito do Caminho Perfeito, que sempre estamos processando nossas experiências de acordo com os nossos pontos de vista, que você sempre se transforma na interpretação quando a internaliza, logo amigo, somos feitos da mesma essência dos nossos pensamentos, assim, não devemos julgar de forma crítica e severa as imagens externas. – Por isso, quando apontei o dedo indicador quis dizer que só havia um Buda, o que seu irmão sabiamente devolveu, mostrando-me dois dedos da sua mão, - Buda e o seu Dharma; alegrei-me por saber que era um ser que manifestava o Tao com muita sabedoria; tive então que acrescentar mais um dedo, mostrando os três dedos da minha mão direita para concluir que além de Buda e o seu Dharma, faltavam os seus discípulos, pois sem eles, de nada adiantariam os dois. Aí, para surpresa minha, seu irmão fecha o seu punho e mostra-me sua mão fechada à minha frente, vibrando com o entusiasmo dos jovens dotados de luz. Confesso, não tive mais argumentos para retrucar o que ele acabara de me mostrar. Aquela imagem dizia o que todos precisam saber: - Todos tres argumentos são na verdade, uma só coisa! Que gesto poderia eu apresentar para dar continuidade ao debate? Ele acabara de sintetizar o tema, não havia mais o que se discutir.

-Parabéns! Você tem um jovem irmão que é uma grande promessa para as gerações vindouras, aquelas que buscam o despertar búdico do ser espiritual.
Shang Yang, não acreditava no que ouvia do velho mestre, pois, para ele, seu irmão ainda engatinhava em sabedoria, apesar de deter uma vasta cultura sobre a filosofia místico-espiritual oriental, daquele “poço” não se podia beber água límpida, pois, de tão revolto e inquieto suas águas estavam cheias da lama do fundo; era um ser que discriminava quem vinha “beber” da sua água, precisava saber antes se era nobre e sábio ou ignorante e pobre. Sua vaidade pessoal cristalizava seus conhecimentos, tirando de si a sutileza e a modéstia inerentes. Como então poderia ter derrotado o seu mestre?  “Não procures onde tem Buda e onde não tem”. Lembrou-se do conselho do seu mestre e aquietou-se. “O Trilhar, é mais importante no caminho da iluminação, pois não possui uma chegada como meta, à única permanência é a mutação.”
Essa dinâmica do Caminho diz que não são necessários os “12 passos” para se alcançar a iluminação, assim, quem sabe se ela não se deu ao ter como seu interlocutor o sábio monge a sua frente? Como o Caminho é o Seguir, não olhou mais para traz, o momento presente era único.

Shang Yang dirigiu-se então para uma ala do mosteiro com a finalidade de meditar, já tinha cuidado do jardim e aprendido algo significativo com o seu antigo mestre; interiorizar era necessário para integralizar o seu ser.

Passados algumas horas, apareceu seu irmão T’ang batendo fortes os seus pés no chão do velho mosteiro, interrompendo a meditação de Shang com uma indagação: - Onde está aquele velho idiota que você considera mestre e iluminado? Shang olhou indagativo para seu irmão e perguntou: - Por quê? - Ele já se foi. - Soube que você o venceu, parabéns!

- Aquele velho é muito estúpido e indelicado! - Passei as informações que você  me deu para o nosso debate, e ele as usou para me afrontar. – Não foi essa a impressão que você causou para ele, em contra partida, - disse Shang Yang.

- Ele o considerou sábio! – Que nada! – Ele saiu daqui foi com medo de apanhar, pois, se fica mais tempo era o que ia acontecer. – Porque essa agressividade toda com um ancião respeitoso como ele?

- Bom, disse T’ang, se você não acredita, sou obrigado a contar para você o que aconteceu, pois, só assim você me dará razão. – O debate começou com ele, depois de passar longo tempo me olhando, mostrou-me um dedo bem na minha cara, dizendo que eu apenas possuía um olho, ou seja, que eu era caolho! –Apesar da indelicadeza inicial, tentei reverter aquele quadro, mostrando dois dedos, para ele saber que apesar da minha deficiência física ainda jovem, ele, um ancião, ainda possuía os dois olhos intactos! – Tentei ser cortês, apesar da atitude dele comigo. – Qual não foi a minha surpresa, quando ele demonstrou desconsiderar a minha polidez sorrindo na minha cara, mostrou-me os três dedos dele, para que eu tomasse conhecimento da sua opinião: Ele possuía dois, e, eu um, totalizando assim, três. – Não aguentei com tanta falta de respeito! –Mostrei o meu punho fechado, bem no meio da sua cara, ameaçando agredi-lo por este motivo. – Ele, Shang, percebeu que eu não estava brincando e levantou-se apressadamente, saindo por aí. – Com essas atitudes, não sei quem poderá dar um pernoite e alimentos para um velho como esse! – O que você acha disso, Shang?

Shang Yang, ao ouvir aquelas críticas do seu irmão, emudeceu, preferindo o eloquente silêncio dos sábios. Certos argumentos não merecem resposta alguma, nem reparos argumentativos. É melhor calar-se e jamais responder, pois não há a menor possibilidade de se passar informações esclarecedoras para quem não possui um espírito receptivo para a beleza milenar das mensagens deixadas há tanto tempo pelos mestres iluminados.

Sempre nos deparamos com essas projeções nos outros, pois muitas vezes ao tentarmos ajudar mostrando o quanto alguém está certo nas suas conclusões, somos interpretados como se tivéssemos concluído algo contrário ao que ele disse, ou que estivéssemos proibidos de opinar, mesmo que a favor...

Quem tem a dificuldade de entender o contexto, critica o texto, como pretexto... 

José Alfredo Bião Oberg










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