02/01/2017
José Alfredo Bião
“Um dia, num
velho mosteiro da China apareceu um turista milionário a procura de dar um
sentido a sua invejada vida de prosperidade material.
Ao bater a porta do mosteiro, mestre Sheng
veio abri-la com um sorriso, dizendo: em que posso ser útil, amigo? O
forasteiro foi logo, de forma pragmática dizendo: - vim iniciar-me, pois soube
da sua fama de mestre iluminado, capaz de dar-me um sentido que preencha o meu
interior, mas que não esteja fora de mim mesmo. Sheng ao ouvi-lo, sorriu
dizendo:- entre, esteja de conformidade com a sua vontade, tentarei orientá-lo
a encontrar o que nunca se perdeu. Ouvindo isso, o forasteiro foi logo
mostrando uma carroça com uma parelha de cavalos, trazendo uma quantidade
enorme de ouro que conseguira conquistar durante a sua jornada até o presente
momento. Vendo que o mestre não dera a devida atenção, retrucou dizendo: é ouro
suficiente para que o senhor possa ampliar o seu mosteiro, modernizá-lo e viver
o resto da sua vida sem o menor tipo de problema que possa preocupa-lo. Mestre
Sheng, ao perceber a insistência do turista milionário, sorriu dizendo: - pode
deixar em algum canto que esteja desocupado. Para surpresa do visitante, o
mestre não dera a verdadeira importância o que fora entregue de presente. – Foi
uma vida inteira de economias, disse o forasteiro, enaltecendo a sua doação
mais uma vez. – Então, já que você me deu, agora é minha, por isso posso fazer
o que quiser com ela, disse o mestre.
Sugiro que vá até as margens do rio com ela,
alugue um barco e vá até o meio do rio para descartar-se dela de uma vez. Pode
jogá-la fora, pois para mim não tem nenhuma utilidade. Constrangido e ao mesmo
tempo aborrecido fez o que o mestre o orientara a fazer. Passadas algumas
horas, o mestre deu-se conta que pelo tempo o forasteiro já deveria estar de
volta para a primeira aula. - Que demora, considerou o mestre. Pediu a um dos
iniciados então, para ir até a margem do rio e ver o que acontecera com o
visitante. O iniciado, logo apareceu no mosteiro relatando que o tal visitante
estava há horas colocando peça por peça dentro do rio, o que segundo seus
cálculos, não terminaria tão cedo.
Ouvindo com
paciência tal relato, mestre Sheng resolveu intervir, dizendo; - levem-me lá! O
que foi imediatamente providenciado. Ao chegar à margem, o mestre pediu um
barco para que pudesse encostar e saltar para o barco do forasteiro e resolver
aquele impasse. Dito e feito, assim que chegou foi logo dizendo: - que pensas
que estás fazendo, ao jogar peça por peça fora? Passastes a vida todas as
juntando, uma a uma e não conseguistes ser feliz, encontrar um sentido para
viver. Agora que precisas abandonar aquilo que não te trouxe a paz e a
felicidade, o fazes com apego à aquilo que te aprisionou durante uma vida
inteira? Deu-lhe uma tapa na cara, para a surpresa de todos, insistindo para
que jogasse todos os bens de uma só vez no rio. Essa fora a sua primeira lição.
Desapego por aquilo que não passara de um fragmento, aquilo que não trazia
nenhum sentido que pudesse ser considerado libertário e sábio. “Havia agora a
necessidade de peregrinar um caminho de volta, onde a meta fosse um encontro
consigo, ao invés de conquistas materiais exteriores, tão fragmentadas de
valores profundos e persistentes”.
Por que
escrevi essa parábola?
Por causa de
uma abordagem com um simpático vereador dessa cidade, que ao brincar com ele,
eu disse: - vamos até a Convenção política de Paulo Dames! No que ele retrucou,
rapidamente: - tá doido? - Eu quero o
progresso! Fomos cada qual pro seu lado após esse momento.
Como ele tem
um nome bíblico, que para mim trás o significado de renascimento, gostaria de
fazer merecer essa oportunidade de contemplá-lo com uma reflexão sobre a
qualidade momento que vivenciamos.
Acho que
agora que ele perdeu a possibilidade de se reeleger como vereador, considere trocarmos
algumas experiências e esclarecimentos sobre a experiência vivenciada
por mim versus suas informações.
Pergunto:
você é um ser turista ou peregrino?
O sociólogo
polonês Zigmunt Bauman apresentou-a sob a forma de metáfora essa questão acima,
sobre o modo de existir dentro dessa modernidade líquida do pós-modernismo.
Um pensador
e autor, Benjamim Disraeli possui uma frase bem significativa para sintetizar
um modus vivendi atual: “a vida é curta demais para ser pequena”.
Perguntei
pra mim mesmo: que tipo de vida vive esse moço?
Hoje, nós
somos mais peregrinos ou turistas? Qual a diferença entre ambos?
Acredito que
eles passam algo em comum, que é a ideia de viagem, porém existem diferenças
significativas entre eles. Uma delas é a utilidade dessa viagem, sua meta.
Qual será a
meta da viagem de um peregrino? Bem, ela relaciona-se com a sua vida interior,
seu crescimento como indivíduo, enquanto a do turista nada tem a ver com tal
coisa. É apenas um intervalo que acontece de ano em ano na sua rotineira e
cotidiana vida, um intervalo para relaxar. No peregrino, a viagem é motivada
por uma busca de si mesmo no trajeto da vida, uma busca de identidade, enquanto
o turista busca a alteridade.
No
peregrino, o percurso é tão importante quanto à meta, sua chegada. Já para o
turista, a chegada ao destino é a meta, e para isso, quanto mais rápida for
essa locomoção, melhor. Uma viagem de avião seria o ideal.
O peregrino
prefere ir a pé, de bicicleta, ou quando muito, de moto, pois o tempo não
importa, mas sim a experiência vivenciada no percurso, que lhe dará o
conhecimento através da experiência vivida para a busca do si mesmo. Para o
turista a viagem é negada, é tempo perdido entre a cronologia de saída e
chegada ao destino meta.
Qual será o
medo do peregrino? Não ter sido enriquecido o suficiente com a experiência
vivida, o medo de não se sentir preenchido pelo significado da experiência. Já
o turista, o medo é com a qualidade da meta em si, aquilo que é com relação com
aquilo que deveria ser ou ter sido.
A grande
maioria de nós vive o turista nesse mundo, principalmente nos dias de hoje.
Consideramos atraso, aquilo que nos falta materialmente. Quando passamos a
possuí-lo, já não nos falta mais, e isso significa um vazio de expectativas que
precisa ser preenchido. Observemos que a depressão é a doença do
pós-modernismo. Para fugir a esse caos interior, só um medicamento moderno como
um Prozac, ou se imaginar perseguindo outro ideal maior, que dê sentido a sua
rotineira e reativa vida pouco criativa de existir e de agir a favor de algo
que dê sentido a sua existência como um todo, sem nenhuma muleta mística
espiritual transcendente.
Qual o
conceito central para nos considerarmos turistas, hoje? O conceito de
fragmento.
Hoje vivemos
uma vida de fragmentos, pois não há um contínuo, não há mais um todo, só ações
desvinculadas entre si, como se fosse um caleidoscópio cheio de pedaços
disformes entre si que podem configurar a cada momento coisas diferentes, sem
uma referência com o passado ou uma proposta futura palpável. Segundo Bauman, é a modernidade líquida. Nada
de concretude ética conceitual, vivemos o devir, a disrupção dos modelos
sociais que nos trouxeram até aqui.
Como exemplo
desses fragmentos que habitam no nosso cotidiano, temos como exemplo, um jornal
de noticiários de TV. Logo aparece um pouco de esporte, um pouco de política
nacional, um pouca de variedades culturais, um pouco de violência policial, e
para finalizar, um pouco das notícias do mundo, todas contadas com uma postura
profissional jornalística, que quase não se mostra envolvida pelo assunto em
pauta que está sendo relatado, com o mesmo diapasão vocal, do início ao fim do
noticiário. Ou seja, são tantos relatos fragmentados que não tem tempo de se
envolver e refletir sobre quase nenhum deles em particular, pois são colocados
de forma impessoal e dentro de uma cronologia curta. Logo, é assim que vive o
nosso turista naquilo que ele rotula como progresso. Uma vida fragmentada. Vou dar outro exemplo que caracteriza o modus
vivendi do nosso turista quando ele sai de férias. Digamos que ele seja um
personagem chic, culto e com bom poder aquisitivo. Ele passará no máximo uma
semana em Paris, depois, uns três dias em Londres, outros tantos em Roma, dará
uma esticada até a Grécia, visitará Veneza, voará até Berlim e estará visando o
seu passaporte de volta. O nosso amigo só vivenciou fragmentos de tempo,
guardando na memória da sua Nikon apenas fotos de lugares e eventos
passageiros. Aí vem uma questão que ainda não fora pensada por ele: o que é
mais importante para a sua vida? Conhecimentos ou informações?
Hoje vivemos
no mundo do conhecimento globalizado sem limites imaginários, seja através de
revistas, jornais, televisão e principalmente, através da Internet, com o
Google e as Redes Sociais. E o que são todas essas informações a não serem
fragmentos? Informação é fragmento. Já o conhecimento é a experiência vivida ou
vivenciada de um evento, uma ação ou um fato.
A diferença
de vida entre o turista e o peregrino é que o primeiro vive de criar metas para
o seu percurso na vida, enquanto o peregrino considera o percurso como meta em
sua vida, podendo assim conceituar a sua criativa viagem como parte importante
do acervo de experiências que geraram em si uma temática própria a respeito do
que foi vivenciado. Muito diferente do turista, que ao concluir a sua falta de
tempo e oportunidade para formular conceitos a partir de uma experiência,
prefere tomar as informações que os meios de comunicação lhes conferem,
sentindo-se atualizado pelos “Personal Training” midiáticos, que acham o que
você deve achar.
Como podemos
ver, considerar progresso àquilo que não pode ser avaliado, não é permanente,
não merece uma conceituação em virtude da sua liquidez, não merece realmente
ser assim chamado.
Lamento por você, porém acredito que quando nada do que for dito adiantar, o silêncio ou o tempo o fará!...
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