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Carta ao leitor: 'A urgência brasileira'


A crise bruta que sacode a nação brasileira não pode ser subestimada nos seus desdobramentos.

Ela encerra perigos e seduções que podem ser fatais a uma democracia descarnada de credibilidade e esperança, mas, sobretudo, de mecanismos dotados da prontidão necessária para escrutinar respostas institucionais e econômicas a uma transição de ciclo desenvolvimento, como é o caso, que cobra a repactuação da sociedade com seu projeto de futuro.

Ademais dos riscos que avultam a cada dia, a natureza ciclópica e catártica do que se vive hoje oferece ao discernimento da sociedade um aliado poderoso e inédito: a transparência histórica dos nossos desafios.

O que ela mostra, apesar da resistência, ainda, do dispositivo de comunicação conservador, é a necessidade de uma solução diametralmente oposta às alternativas que pulsam no repertório autoritário e pseudoliberal.

A crise evidencia a urgência de se construir no país um sistema político mais aberto, com maior participação e vigilância da sociedade, dotado de canais expeditos de consultas populares que se sobreponham aos acertos de gabinete onde chocam as soluções antidemocráticas, antissociais e antinacionais -- como as que são excretadas nesse momento sobre a nação pela agenda do golpe.

Sobretudo, porém, a transparência vertiginosa da crise expõe as sequelas estruturais da pandemia neoliberal dos anos 70.

Ela marcaria a subjetividade e o relevo da sociedade e o do capitalismo em todo o mundo, e aqui também, com o recuo imposto à democracia em favor do mercado, a fragilização do Estado pelo agigantamento do poder desregulado das grandes corporações, ademais do seu vórtice silencioso, porém mais destrutivo: a desterritorialização da riqueza financeira, embarcada na liberalização imposta às contas de capitais.

Esse bombardeio atingiu em cheio o Estado brasileiro no ciclo de governos do PSDB nos anos 90.

O desmonte deixou cicatrizes que nunca mais se fecharam. 

Um exemplo resume todos os demais: até meados dos anos 60, as estatais do setor elétrico nacional detinham a liderança mundial em planejamento de grandes hidrelétricas.

Hoje quem é capaz de fazer isso?

A Odebrecht.

Nas últimas décadas, o ministério do Planejamento amarrotou-se no papel de um anexo das políticas de arrocho fiscal ditadas pela Fazenda e o Banco Central -- este sim, um enclave de planejamento do interesse financeiro num aparelho público capturado pela lógica privada.

O que se perdeu na sofreguidão privatista e no sucateamento deliberado nunca mais se recuperou.

Prova-o a incapacidade fiscal permanente, fruto do endividamento público retroalimentado pelo garrote asfixante dos juros, a imobilizar um Estado tangido a emprestar de quem deveria taxar.

O conjunto da anemia democrática e fiscal consagra a ausência de capacidade de indução e planejamento para a retomada do desenvolvimento brasileiro.

Esse é um dos entraves mais sérios ao passo seguinte da nossa história.

O ciclo de governos do PT mitigou essa fragilidade. A regeneração do BNDES é um bom exemplo. O fortalecimento da capacidade indutora do Estado com a regulação soberana do pre-sal, outro.

Ambos, não por acaso, desmontados agora pelo golpe.

Foram, de qualquer forma, avanços circunscritos, diluídos na rendição a práticas tradicionais, como mostra a naturalização do caixa 2 na esfera eleitoral.

A esfera do poder ficou intocada naquele que se revelou, agora de forma exclamativa, o pecado capital de todo o processo.

Carta Maior sempre criticou a adesão progressista a práticas eleitorais 'consagradas'. Não por qualquer moralismo de convento, mas porque manietavam o salto de autonomia decisória e participativa, indispensável à construção de uma verdadeira democracia social no país.

É forçoso reconhecer, porém, e o golpe é a prova cabal disso, que a resistência do dinheiro e de sua artilharia midiática a um avanço mais audacioso das práticas democráticas, da socialização da riqueza, bem como do restabelecimento de mecanismos de indução e planejamento públicos, sempre foi feroz, articulada, implacável, asfixiante.

A hipertrofia de uma Odebrecht --que planejava o país e o sistema político, no miúdo e no graúdo-- é fruto dessa fragilização geral da sociedade brasileira, descarnada de instrumentos públicos para exercer os consensos das urnas, graças ao desmonte imposto ao setor público pela agenda do Estado mínimo.

O conjunto deslocou o eixo das decisões, da democracia para os gabinetes das megacorporações e bancos -- onde o país é planejado com a ajuda técnica, o capital indisponível pelo Tesouro público e o filtro de interesses dos Odebrechts. Ou Alstons. Ou Chevrons e assemelhados.

Não é uma degeneração brasileira: é o estágio atual da democracia fraca, do Estado anêmico e do poder ubíquo do mercado criado pelo neoliberalismo em todo o mundo.

A novidade é que a crise brutal permite agora à sociedade enxergar aquilo que a mídia sempre ocultou de forma cúmplice.

O Brasil precisa de uma democracia forte e de Estado capaz de assegurar a finalidade social do desenvolvimento.

Para ser um contraponto efetivo à espiral descendente vivida pela nação, a eleição de 2018 deve servir a esse debate e à organização correspondente que ele cobra da rua.

No mais, é imperioso lembrar certas lições da história num momento em que a perplexidade e as sombras são alimentadas diuturnamente para gerar prostração, divisionismo e renúncia nas forças progressistas.

Acreditar na emergência de uma sociedade virtuosa, feita de cidadãos virtuosos -- de lideranças e governantes virtuosos!-- sem instituições virtuosas, é abraçar uma concepção religiosa da história.

A experiência mostra que ela produz idolatria seguida de flagelo.

Mas não produz a cidadania plena, direitos sociais inegociáveis e o florescimento ecumênico da criatividade humana no acesso convergente aos frutos da civilização, pelos quais vale a pena continuar lutando.

É disso que trata o nosso editorial: 'Odebrecht é o outro nome do Estado mínimo'.

À luta, greve geral dia 28; e boa leitura.


Joaquim Palhares
Diretor Presidente de Carta Maior

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