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Você me avalia por você ou por mim?


"Jean Paul Sartre consagra esta proposta acima com uma historinha do “buraco da fechadura”. Segundo ele, para que melhor você possa entender o que ele reflete.

A historinha é a seguinte: tem um casal fazendo uma sacanagem gostosa dentro de um quarto. Você está fora do quarto, ouve os gemidos e olha pelo buraco da fechadura para ver melhor o que está acontecendo. Por um momento, a cena que você vê galvaniza toda a sua atenção. Agora, a sua consciência está completamente plasmada na cena.

 Isso quer dizer o que? Isso quer dizer que nesse momento a sua consciência não tem espaço para mais nada, a não ser para a cena. Para entender isso melhor, procure lembrar-se dos melhores filmes que já assistiu.

Alguns foram tão bons que você não se deu conta de forma consciente de que estava no cinema. O fato de você estar no cinema não entra na sua consciência porque você esta 100% no filme. Tanto que quando o filme acaba, acende a luz e você leva um tempo para voltar a si. Voltar a incluir o eu na consciência. Ficou claro?

Pois você está no buraco da fechadura, mas a sua mente está plasmada na cena, quando de repente outro se aproxima fora do quarto e você ouve seus passos, nesse momento você é obrigado a considerar-se presente naquele episódio. A sua consciência tem que abrir mão do que está vendo e incluir você no buraco da fechadura, passando agora a ter consciência de si, percebendo agora que não é legal ser flagrado ali. Disfarçando você sai do local da cena como se não estivesse vendo nada, pois agora você está incluído no processo por que o outro apareceu".


O que Sartre quis dizer com essa alegoria? Que você só precisou ter consciência de si porque o outro apareceu. Isso, você pode estender amplamente. Se não houvesse o outro, não haveria a consciência de um eu, se não houvesse o outro, não haveria o cogito que se contempla em quanto ser pensante. Se não houvesse o outro, a nossa consciência seria simplesmente plasmada no universo. E é porque o outro existe que temos a consciência de nós mesmos com relação a ele.

De um lado, o surgimento do paradigma da subjetividade e de outro lado, a desconstrução do sujeito. Agora, o outro assumiu a primazia de que precisamos. Ficou mais fácil, né? Melhor do que tentar através de um eu, como fizeram tantos filósofos. Só que a partir de agora, a transparência torna-se um valor de relevância evidente. O outro é tão importante agora, que se não for ele, o eu claudica.

Agora, o cuidado com o outro se justifica, pois graças a ele poderei saber quem sou. Portanto, é normal que em relação ao outro eu tenha cuidados especiais, que este até hoje não precisou ter. Porque, dentro da evolução do pensamento filosófico desde os gregos, antes era eu e o universo, depois era eu e Deus, depois era eu e eu, só agora é você e eu. Agora eu preciso ter os cuidados que durante vinte séculos eu não precisei ter. E é por isso que a transparência aparece como assunto filosófico contemporâneo, porque é agora que ela faz sentido, é agora que você não é um mero instrumento da soberania do eu, mas ao contrário, você é o soberano que permite a um bastardo ter a noção de quem possa ser.

Porque, afinal de contas, se cada um de nós precisa saber quem é e entende quem é a partir de uma ideia. Se cada um de nós tem uma ideia de si, se cada um de nós tem uma definição de si, se cada um de nós tem uma identidade, se cada um de nós tem um discurso que o identifica, não foi cada um de nós que inventou, porque o eu não é fundamento, não é princípio. E, se eu tenho coisas a dizer sobre você, saiba tudo o que eu disser sobre você, eu aprendi com você. Graças a você, que eu tenho uma vaga ideia para que eu possa me definir. É em você que eu encontro a gênese do que eu entendo por mim mesmo. Entendimento esse, que durante muito tempo eu não tinha. Você, portanto é a origem do eu.

Vamos imaginar, que eu depois de ter sido informado sobre quem eu sou resolva aloprar a própria identidade. Eu chego e digo: eu sou o melhor cara desse mundo. Coisa que até eu acho. Você rirá na minha cara. E o que significa essa risada sua? Significa que: não só, que você deu origem ao que eu penso a meu respeito, mas continuas vigilante, evitando que eu possa me definir do jeito que eu quero. Porque você é quem define as condições da minha definição, controlando-me. Logo, quando eu por acaso ofereço de mim uma definição desautorizada, você reage: baixe a sua bola, Bião! Mas eu sou esperto amigo, direi. Você dirá: se liga... Tire esse atributo da sua identidade, você não está autorizado a definir-se. E, pouco a pouco você vai percebendo que toda heresia tem um preço a pagar, pois esse tal de eu é uma eterna e interminável negociação, e essa negociação é uma parte muito mais forte que você.

 Portanto amigo, não adianta continuar resistindo a ela para definir o seu eu a partir de você. A sua identidade é um discurso que circula em toda a parte, onde você não controla. Circula por espaços onde você não tem acesso. Portanto, o que falam de você, e a construção de uma definição sua, vão muito além da sua interferência. E é por isso, que por mais que você se esforce, sempre o resultado provisório dessa definição de identidade transcenderá os seus interesses pessoais, à sua valorização máxima de si, - para tua tristeza. É possível, que o que o outro pensa de você é o que você não gostaria que pensasse. E é por isso que é melhor tratar muito bem o outro.

Quando nos relacionamos, cabe a pergunta: quando A se relaciona com B, o que exatamente está em relação? Quando alguém diz pra você: eu te amo. O que é que ele ama? Será que o objeto das nossas relações teve que ser exatamente o outro? Não.

 Porque o outro é um objeto difícil de acessar. Por mais que ele tenha primazia, por mais que eu exista em relação a ele, por mais que eu exista graças a ele, ele continua difícil para mim. E, é exatamente por isso que nos vamos dando conta que quando nós dizemos: eu te amo, o objeto do nosso amor não é o outro, mas o que achamos o que o outro seja, o que representa pra nós, a ideia do outro, a imagem do outro, pois essa é mais fácil de ser amada. Ela é sua e está em você. O outro é apenas o objeto dessa projeção pessoal. Um espelho que reflete você e os seus valores, nunca quem ele é. Por isso, acho muita graça quando alguém necessita que um partido politico acabe com a sua ideologia que o atinge, dizendo por causa disso que segue agora um determinado candidato da extrema direita que o representa. Talvez ele nem seja para ele isso que diz, mas precisa ser para abocanhar uma legião carente de uma referência como essa, para justificar aquilo que esse alguém é. Atrás de uma sigla existem bons e maus, porém atrás de uma única pessoa não se pode colocar a sua projeção de sagrado, daquilo que você considera o certo, o melhor, o que deve servir de referência para todos, pois se ele se mostrar fora dessa sua expectativa, ou se ela mudar por que hoje as suas preferências mudaram devido ao seu amadurecimento, tudo virá a baixo para seu desespero.

Vamos viajar num exemplo: vamos imaginar que João ame Maria e por isso, João pense que Maria lhe seja sexualmente fiel. João descobre com o passar dos dias que Maria entretém alguns rapazes sexualmente. João que ama Maria deveria amar mais a partir de agora, por que agora ele sabe mais sobre ela, sobre sua sexualidade, passando a ser mais amplo, mais profundo e mais rico de conhecimento este relacionamento.

 Você acabou de rir, pois sabe que “não é assim que a banda toca”, porque João não ama Maria. Porque, João ama quem ele acha que Maria é. E Maria desmente o amor de João, desmente a ideia, faz sangrar o objeto do amor. Por isso, João mata Maria para proteger o objeto do seu amor, a ideia que ele sempre teve dela.

Outro dia, um amigo que é divulgador do meu livro, um cara de uma gentileza e amabilidade espetacular chegou pra mim e disse: sabe que eu gosto muito de você? Com uma sinceridade vinda do âmago. Caberia perguntar a ele: qual é o objeto desse apreço? A impressão que tenho é que se ele ficasse mais de dez minutos próximo de mim, quando eu estivesse escrevendo algo para colocar no blog, esse apreço iria diminuir rapidamente. E em dez minutos apenas eu teria corroído o apreço do amigo para sempre. É óbvio que nossas perspectivas são opostas, que os argumentos não coincidem que as perspectivas de vida são diferentes. Tudo isso, porque aprofundando nossos conhecimentos descobriríamos que vivemos expectativas de vida diametralmente opostas. Essa ideia amável de mim, foi ele quem fez, é uma produção dele. E eu, fico feliz com o que ele pensa de mim, mas procuro esclarecer que eu não correspondo. Essa é a correspondência. Do mesmo jeito que você acha quem eu sou, eu acho quem você é. E de onde você tira esse seu parecer sobre mim?

Diante de tantas fontes, você tira do meu comportamento. Esse comportamento é a matéria prima privilegiada da ideia que você tem de mim. E, conforme a forma como ajo e manifesto-me é que você se relaciona comigo. Logo, a transparência é o valor fundamental que preside o sucesso das nossas relações. Pelo menos, assim deveria ser.

 E por quê? Porque, toda vez que eu manifesto-me diferente da minha verdade pessoal, isso deixa de ser transparência pessoal para ser cinismo.

Por isso não faço parte de nenhuma turma do compulsório “amém”. A minha transparência é o material que posso oferecer para que você tenha a ideia mais aproximada de mim. A mais próxima! Ou seja, eu te abasteço de informações e você atualiza a ideia que tem de mim. Isso é um exercício de transparência, um relacionamento verdadeiro. Qualquer coisa pode ser questionada para que as dúvidas possam ser dirimidas e ser mantida a transparência. Só nele eu acredito, pois, correspondência absoluta é impossível! Essa aproximação sempre será tendencial, nunca absoluta entre o que pretendo e acho e o que você imagina que eu sou. Quando dessa forma procedo, eu te dou a chance de me ver da forma mais real e aproximada possível, a mais transparente possível. Agora, se eu pelo contrário, me manifesto na contra mão, de forma opaca, você não terá alternativa senão se submeter a minha falsidade e cinismo. Dessa forma, talvez você tenha uma ideia auspiciosa de mim, mais generosa do que a minha vida é, condenando você a se relacionar com alguém que não existe. Por que essa condição é inferior diante de uma mais real? Por quê?

A resposta é irrefutável. Por que quando você tem uma ideia clara de quem eu sou, tem melhores condições de descontinuar o relacionamento.

De optar em não dar prosseguimento. E essa escolha que optou você deve a minha transparência. Graças a ela, pois tudo contribui para o cinismo.

Muitos preferem mentir e manter uma amizade baseada nas falsas informações.
Se algum dia, solitário de verdadeiros amigos você se abrir e perguntar: que achas quem sou? Já estará em Júpiter! Eu estou aqui e direi: deixa eu te buscar... Por isso, pequenas tristezas de percurso evitam grandes dramas. O verdadeiro tem dessas coisas... Continuarei jogando luz nas coisas exuberantes e jogando luz nas miseráveis e existenciais, em nome da transparência e da independência interior.

Eu.


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