Revertendo expectativas...
de: William Shakespeare
Acredito nessa
possibilidade quando relembro a obra prima de Shakespeare, que é o discurso de
Marco Antonio nos funerais de Cezar. Uma parábola, para os dias de hoje...
Talvez, o
leitor com alguma acuidade faça uma analogia do que se pode esperar de um bom
plano estratégico para reverter expectativas eleitorais oposicionistas e
oportunistas...
A cena é a seguinte:
Cezar está
morto, e Brutus, o assassino, é chamado para dizer à população romana, junto ao
cadáver, porque motivo matou Cezar.
Imaginem uma
multidão ululante, pouco favorável a Cezar, que já acreditava que Brutus tivera
um gesto nobre, matando-o.
Brutus sobe a
tribuna e faz um breve e pragmático relato das razões que o levaram a suprimir
Cezar. Conhecido e querido por se identificar com os anseios populares não viram
nenhum motivo para preocupar-se com o clamor das ruas, pois essas eram as mais
favoráveis possíveis. Convencido que havia dito aquilo que era esperado,
sentou-se sob aplausos. A sua atitude refletia aquele que julga que a sua
palavra vai ser aceita sem discussão; era uma atitude altiva, de quem está
acostumado com as vozes das ruas e o clamor popular.
Como era de se
esperar, Marco Antonio teria que subir à tribuna, sabendo que a multidão é
contra ele, por ser amigo do arrogante e reativo Cezar.
Num tom de voz
humilde, baixo, porém firme, Marco Antonio começou a falar:
Povo de Roma,
Venho vos falar
em nome de Brutus!
Alguém mais
cético na multidão pergunta o que era esperado: O que dirá ele sobre Brutus?
Alguém ao lado,
responde: Diz ele, que é em nome de Brutus que se encontra aqui para falar.
Acho melhor que não venha falar mal de Brutus aqui.
Um cidadão
comum, diz: Esse Cezar era um tirano, distante do povo.
Ao lado, um
cidadão: Certamente. É uma felicidade o ocorrido, Roma assim se verá livre
dele.
Alguém na
multidão grita: Silêncio! Ouçamos o que Marco Antonio vai nos dizer...
Obs.: Vamos
observar agora como se neutraliza as mentes daqueles que estão arrebanhados por
um inconsciente coletivo apaixonado...
Marco Antonio:
Amáveis romanos!
Todos:
Silêncio! Ouçamo-lo!
Marco Antonio:
Amigos, concidadãos, romanos, prestai-me atenção: aqui estou para enterrar
Cezar, não para louvá-lo.
Obs.: Acabara
de aliar-se ao estado de espírito dos ouvintes.
O mal que os homens
praticam lhes sobrevive; o bem, porém, é sempre enterrado com seus ossos... O
mesmo acontece com Cezar. O nobre Brutus vos afirmou aqui nessa tribuna que Cezar
era um ambicioso, um reativo, perseguidor, um incapaz de ouvir o clamor das
ruas. Se assim era, ele cometeu uma falta muito grave, mas já passou por ela...
Aqui, com a
permissão de Brutus e de seus companheiros, - porque Brutus é um homem
respeitável e assim, são todos os homens de bem, - venho falar-vos nos funerais
de Cezar.
Era meu amigo;
foi justo e leal comigo; Brutus, porém, disse que ele é um homem ambicioso, e
Brutus é um homem respeitável. Todos vós vistes como nas Lupercais, por três vezes
lhe apresentei uma coroa de rei e três vezes ele a recusou. Seria isso ambição?
Entretanto Brutus disse que ele era ambicioso, e sem dúvida alguma Brutus é um
homem respeitável. Falo aqui, não para desaprovar Brutus, mas para dizer o que
sei...
Outrora, vós o
elegestes e não sem um motivo justo. Agora, que motivos impedem de chorá-lo? Ó
razão! Fugistes para as feras e os homens não raciocinam. Perdoai-me. O meu
coração está na esfinge com Cezar. Devo parar até que ele volte para mim.
Obs.: Esta é
uma parada obrigatória e estratégica, para dar tempo aos ouvintes de discernir
às pressas, entre si, as suas afirmativas claras.
O objetivo aqui
era observar o efeito que suas palavras produziam, ajudado por alguns
desconhecidos amigos infiltrados na multidão.
Um amigo na
multidão disse: Parece-me que há muita coisa nas suas palavras que precisamos
ouvir para saber...
Um ouvinte
cético comentou assim: Se considerares devidamente o assunto, verás que César
cometeu grandes erros.
Outro amigo
retruca: Verdade, amigo? Temo que o seu substituto seja muito pior!
Outro amigo
infiltrado diz: Prestastes bem atenção às palavras dele? Cezar não quis aceitar
a coroa. Isso prova que ele não era ambicioso.
O primeiro
amigo acrescenta: Se for assim, alguém pagará caro por essa possível
substituição...
Outro amigo
diz: coitado do Antonio! Chorou tanto que tem os olhos vermelhos.
O primeiro
amigo diz: Não há em Roma homem mais nobre que Marco Antonio.
Alguém do povo:
Atenção, ele vai começar a falar novamente.
Marco Antonio:
Ontem, a palavra de Cezar podia dominar o o mundo; hoje ele jaz aqui e uma
parte dos homens não o venera. Senhores! Se quisesse disputar, inflamar os
vossos corações e as vossas mentes com a revolta e a cólera, acusaria Brutus,
acusaria Cássio, que todos vós sabeis, são homens respeitáveis.
Obs.: Se Marco
Antonio tivesse começado seu discurso com ataques, a história teria sido
outra... Observem quantas vezes Marco Antonio repete o termo “respeitável”.
Vejam com que inteligência ele sugere que Brutus e Cássio não são tão respeitáveis assim, como julga a população romana. Esta sugestão é levada a efeito nas palavras "revoltas", “cólera”, “se eu quisesse despertar” e “acusaria”...
Vejam com que inteligência ele sugere que Brutus e Cássio não são tão respeitáveis assim, como julga a população romana. Esta sugestão é levada a efeito nas palavras "revoltas", “cólera”, “se eu quisesse despertar” e “acusaria”...
Vai ele agora
construindo sutilmente frases que gerarão um novo estado de ânimo nos ouvintes.
Apelou para a curiosidade da multidão em saber que “acusações seriam essas”...
Marco Antonio: Aqui
está um pergaminho com o sinete de Cezar, que encontrei no seu gabinete; é o
seu testamento, aquilo que ele deixa para o povo de Roma. Se ouvísseis a
leitura deste testamento, o que, - perdoai-me, não pretendo fazer aqui, tenho a
certeza que todos vós beijaríeis as feridas de Cezar assassinado, molharíeis os
vossos lenços no sangue sagrado, imploraríeis fios de seus cabelos como
lembrança.
Obs.: Agora,
resolve aguçar mais ainda a curiosidade da população, pois a natureza humana
sempre deseja aquilo que é difícil de conseguir ou daquilo que vai ser privado.
Observe que essas coisas uma vez obtidas perdem o seu valor... Assim, Marco
Antonio despertou o interesse e a cobiça pelo Testamento de Cezar,
preparando-os para o escutarem com um “espírito aberto”.
Todos gritavam:
O Testamento! O Testamento! Queremos ouvir o que nos deixou Cezar.
Marco Antonio:
Tende paciência, generosos amigos; não o devo ler. Não é bom que saibas agora o
quanto Cezar os amou e fez por Roma. Não sois feito de pedra; sois humanos! E
sendo humanos, ao ouvir poderíeis ficar furiosos. Não, não é bom saberdes nesta
hora que sois herdeiros de Cezar, pois, se souberdes que poderá acontecer? É
imprevisível!...
Um amigo na
multidão grita: Queremos ouvir a leitura do testamento! Marco Antonio lê agora
o Testamento de Cezar!
Marco Antonio:
Quereis ser pacientes? Quereis esperar um pouco? Fui muito longe falando
nisso... Temo ter acusado homens respeitáveis que cravaram seus punhais no
coração de Cezar.
Obs.: Sugeriu
aqui um assassinato, chamando-os de assassinos.
O amigo na
multidão aproveita e grita acompanhado de muitos: Estes homens respeitáveis são
uns traidores!
Todos: O
testamento! O testamento!
O amigo na
multidão volta à carga: São uns vilões, uns assassinos! O testamento!
Marco Antonio:
Exigis de mim a leitura do testamento? Então formai um círculo em torno do
corpo de Cezar, para que vos possa mostrar o autor do testamento. Posso descer?
Permitis isso?
Obs. Nesse
ponto, Brutus deveria segui o meu conselho: Pegar uma biga com uma ótima
parelha de cavalos e cair fora!
Todos: Vinde!
Um cidadão:
Descei!
Um
desconhecido: Lugar, lugar para Antonio, o nobilíssimo Antonio.
Marco Antonio:
Não fiqueis tão próximos de mim. Afastai-vos um pouco.
Obs.: Ele sabia
que dando essa ordem ainda os aproximaria mais, e era justamente o que
desejava.
Todos: Para
trás, para trás.
Marco Antonio:
Se tendes lágrimas preparai-vos para derramá-las! Todos vós conheceis este
manto. Lembro-me da primeira vez que Cezar o vestiu. Foi numa noite de verão,
na sua tenda, no dia em que bateu os Nérvios. Olhai: aqui penetrou o punhal de
Cássio. Vede o rasgão que fez o invejoso. Foi aqui também, que o bem amado
Brutus cravou o seu punhal. E, ao ser retirado este, como que o sangue de Cezar
seguiu a lâmina, para se certificar de que era Brutus, quem o ferira tão
impiedosamente, pois Brutus, como sabeis, era o anjo de Cezar. Chorais agora,
pois percebo que vos sentis comovidos; derramai as lágrimas da compaixão. Olhai
aqui; vede o próprio Cezar dilacerado pelos seus traidores.
Obs.: Observem
que aqui, Marco Antonio emprega a palavra “traidores” porque sabe que as mesmas
estão em harmonia com o que domina as mentes da população.
Um simples
cidadão: Que triste espetáculo!
Outro
cidadão>: Que dia fatal!
Um amigo
oculto: Havemos de vingá-lo!
Todos:
Vingança! Vingança! Vamos buscá-los! Não deixemos vivo um só traidor!
Marco Antonio: Parai
concidadãos!
Um cidadão:
Calma! Ouçamos o nobre Antonio!
O amigo oculto:
Escutemo-lo, sigamo-lo, morramos com ele!
Obs.:
Pronto!... A certeza agora era que a multidão estava com ele, Marco Antonio.
Marco Antonio:
Generosos amigos! Não desejo incitá-los de maneira alguma à revolta. Os autores
desse feito tinham seus motivos e eram homens respeitáveis. Que motivos os
tinham para agirem assim? Acredito que diante de tal tragédia, tenham motivos
justificáveis. Não vim roubar vossos corações. Não sou um orador como Brutus,
mas, como sabeis um homem simples, franco; amava o meu amigo; eles sabiam disso
muito bem, por isso me deram autorização para falar do meu grande amigo.
Digo-vos apenas o que todos sabem: se eu fosse Brutus e Brutus fosse eu, talvez
pudesse inflamar os vossos espíritos.
Todos: Estamos
revoltados!
Um amigo;
Incendiaremos a casa de Brutus.
Outro: Vamos!
Vamos!
Marco Antonio:
Então amigos não sabem ainda o que fazer... Em que Cezar vos mereceu tanta
dedicação nesta hora? Esquecestes o testamento...
Todos: O
testamento! O testamento!
Marco Antonio:
Aqui está o testamento e com o sinete de Cezar. Para cada um de vós deixa
setenta e cinco dramas.
Um cidadão
romano: Nobilíssimo Cezar! Vingaremos a tua morte!
Marco Antonio: Ouvi-me com paciência.
Todos:
Silêncio!
Marco Antonio:
Além disso, deixou para vós todos os jardins, todo seu parque e os novos
pomares que ficam deste lado do Tibre. Este era o verdadeiro Cezar! Quando
surgirá outro igual?
Um cidadão:
Nunca, nunca. Venham! Vamos queimar o seu corpo no lugar sagrado e com as
mesmas tochas incendiaremos as casas dos traidores. Levem o corpo!
Um dos
cidadãos: Vão buscar o fogo!
E foi esse o fim
de Brutus. O mais forte candidato a ser o sucessor de Cezar.
Obs.: Perdeu,
apenas porque lhe faltou personalidade e bom senso para sugerir com bons
argumentos e seguir de acordo com a receptividade da população romana, como fez
Marco Antonio. Ao se julgar uma grande personalidade; inflacionou o seu ego,
ficando obcecado e orgulhoso com seu feito. Achou que a realidade dos fatos
podia falar por ele, e assim bastavam para impor decisões e justificá-las...
Caso Marco
Antonio tivesse subido à tribuna com a mesma empáfia e arrogância, teria dito: “Agora, povo romano, permiti que vos diga uma incontestável realidade sobre
Brutus... ele é um verdadeiro assassino”!...
Decerto não
teria continuado, pois a populaça o teria apupado... Hábil, usou de psicologia
apresentando seu parecer e a realidade dos fatos, de tal modo, como não fosse
uma ideia sua, mas da própria população de Roma. Basta observarmos como no seu discurso foi acentuado o “vós e não o “eu”.
Toda e qualquer
situação pode ser revertida... Depende unicamente da forma e conteúdo da
comunicação.
J. Alfredo B.
Oberg
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