“Um dia, num velho mosteiro da China apareceu um turista
milionário a procura de dar um sentido a sua invejada vida de prosperidade
material.
Ao bater a porta do
mosteiro, mestre Sheng veio abri-la com um sorriso, dizendo: em que posso ser
útil, amigo? O forasteiro foi logo, de forma pragmática dizendo: - vim
iniciar-me, pois soube da sua fama de mestre iluminado, capaz de dar-me um
sentido que preencha o meu interior, mas que não esteja fora de mim mesmo.
Sheng ao ouvi-lo, sorriu dizendo:- entre, esteja de conformidade com a sua
vontade, tentarei orientá-lo a encontrar o que nunca se perdeu. Ouvindo isso, o
forasteiro foi logo mostrando uma carroça com uma parelha de cavalos, trazendo
uma quantidade enorme de ouro que conseguira conquistar durante a sua jornada
até o presente momento. Vendo que o mestre não dera a devida atenção, retrucou
dizendo: é ouro suficiente para que o senhor possa ampliar o seu mosteiro,
modernizá-lo e viver o resto da sua vida sem o menor tipo de problema que possa
preocupa-lo. Mestre Sheng, ao perceber a insistência do turista milionário,
sorriu dizendo: - pode deixar em algum canto que esteja desocupado. Para
surpresa do visitante, o mestre não dera a verdadeira importância o que fora
entregue de presente. – Foi uma vida inteira de economias, disse o forasteiro,
enaltecendo a sua doação mais uma vez. – Então, já que você me deu, agora é
minha, por isso posso fazer o que quiser com ela, disse o mestre.
Sugiro que vá até as
margens do rio com ela, alugue um barco e vá até o meio do rio para
descartar-se dela de uma vez. Pode jogá-la fora, pois para mim não tem nenhuma
utilidade. Constrangido e ao mesmo tempo aborrecido fez o que o mestre o
orientara a fazer. Passadas algumas horas, o mestre deu-se conta que pelo tempo
o forasteiro já deveria estar de volta para a primeira aula. - Que demora,
considerou o mestre. Pediu a um dos iniciados então, para ir até a margem do
rio e ver o que acontecera com o visitante. O iniciado, logo apareceu no
mosteiro relatando que o tal visitante estava há horas colocando peça por peça
dentro do rio, o que segundo seus cálculos, não terminaria tão cedo.
Ouvindo com paciência tal relato, mestre Sheng resolveu
intervir, dizendo; - levem-me lá! O que foi imediatamente providenciado. Ao
chegar à margem, o mestre pediu um barco para que pudesse encostar e saltar
para o barco do forasteiro e resolver aquele impasse. Dito e feito, assim que
chegou foi logo dizendo: - que pensas que estás fazendo, ao jogar peça por peça
fora? Passastes a vida todas as juntando, uma a uma e não conseguistes ser
feliz, encontrar um sentido para viver. Agora que precisas abandonar aquilo que
não te trouxe a paz e a felicidade, o fazes com apego à aquilo que te
aprisionou durante uma vida inteira? Deu-lhe uma tapa na cara, para a surpresa
de todos, insistindo para que jogasse todos os bens de uma só vez no rio. Essa
fora a sua primeira lição. Desapego por aquilo que não passara de um fragmento,
aquilo que não trazia nenhum sentido que pudesse ser considerado libertário e
sábio. “Havia agora a necessidade de peregrinar um caminho de volta, onde a
meta fosse um encontro consigo, ao invés de conquistas materiais exteriores,
tão fragmentadas de valores profundos e persistentes”.
Por que escrevi essa parábola?
Por causa de uma abordagem com um simpático vereador dessa
cidade, que ao brincar com ele, eu disse: - vamos até a Convenção política de
Paulo Dames! No que ele retrucou, rapidamente: - tá doido? - Eu quero o progresso! Fomos cada qual pro
seu lado após esse momento.
Como ele tem um nome bíblico, que para mim trás o significado
de renascimento, gostaria de fazer merecer essa oportunidade de contemplá-lo
com uma reflexão sobre a qualidade momento que vivenciamos.
Acho que agora que ele perdeu a possibilidade de se reeleger
como vereador, considere trocarmos algumas experiências e esclarecimentos sobre
a experiência vivenciada por mim versus suas informações.
Pergunto: você é um ser turista ou peregrino?
O sociólogo polonês Zigmunt Bauman apresentou-a sob a forma
de metáfora essa questão acima, sobre o modo de existir dentro dessa
modernidade líquida do pós-modernismo.
Um pensador e autor, Benjamim Disraeli possui uma frase bem
significativa para sintetizar um modus vivendi atual: “a vida é curta demais
para ser pequena”.
Perguntei pra mim mesmo: que tipo de vida vive esse moço?
Hoje, nós somos mais peregrinos ou turistas? Qual a diferença
entre ambos? Para mim, o peregrino vivencia o caminho como meta, enquanto o
turista cria metas para o caminho. Qual a diferença e as suas implicações?
Acredito que eles passam algo em comum, que é a ideia de
viagem, porém existem diferenças significativas entre eles. Uma delas é a
utilidade dessa viagem, sua meta.
Qual será a meta da viagem de um peregrino? Bem, ela
relaciona-se com a sua vida interior, seu crescimento como indivíduo, enquanto
a do turista nada tem a ver com tal coisa. É apenas um intervalo que acontece
de ano em ano na sua rotineira e cotidiana vida, um intervalo para relaxar. No
peregrino, a viagem é motivada por uma busca de si mesmo no trajeto da vida,
uma busca de identidade, enquanto o turista busca a alteridade.
No peregrino, o percurso é tão importante quanto à meta, sua
chegada. Já para o turista, a chegada ao destino é a meta, e para isso, quanto
mais rápida for essa locomoção, melhor. Uma viagem de avião seria o ideal.
O peregrino prefere ir a pé, de bicicleta, ou quando muito,
de moto, pois o tempo não importa, mas sim a experiência vivenciada no
percurso, que lhe dará o conhecimento através da experiência vivida para a
busca do si mesmo. Para o turista a viagem é negada, é tempo perdido entre a
cronologia de saída e chegada ao destino meta.
Qual será o medo do peregrino? Não ter sido enriquecido o
suficiente com a experiência vivida, o medo de não se sentir preenchido pelo
significado da experiência. Já o turista, o medo é com a qualidade da meta em
si, aquilo que é com relação com aquilo que deveria ser ou ter sido.
A grande maioria de nós vive o turista nesse mundo,
principalmente nos dias de hoje. Consideramos atraso, aquilo que nos falta
materialmente. Quando passamos a possuí-lo, já não nos falta mais, e isso
significa um vazio de expectativas que precisa ser preenchido. Observemos que a
depressão é a doença do pós-modernismo. Para fugir a esse caos interior, só um
medicamento moderno como um Prozac, ou se imaginar perseguindo outro ideal
maior, que dê sentido a sua rotineira e reativa vida pouco criativa de existir
e de agir a favor de algo que dê sentido a sua existência como um todo, sem
nenhuma muleta mística espiritual transcendente.
Qual o conceito central para nos considerarmos turistas,
hoje? O conceito de fragmento.
Hoje vivemos uma vida de fragmentos, pois não há um contínuo,
não há mais um todo, só ações desvinculadas entre si, como se fosse um
caleidoscópio cheio de pedaços disformes entre si que podem configurar a cada
momento coisas diferentes, sem uma referência com o passado ou uma proposta
futura palpável. Segundo Bauman, é a
modernidade líquida. Nada de concretude ética conceitual, vivemos o devir, a
disrupção dos modelos sociais que nos trouxeram até aqui.
Como exemplo desses fragmentos que habitam no nosso
cotidiano, temos como exemplo, um jornal de noticiários de TV. Logo aparece um
pouco de esporte, um pouco de política nacional, um pouca de variedades
culturais, um pouco de violência policial, e para finalizar, um pouco das
notícias do mundo, todas contadas com uma postura profissional jornalística,
que quase não se mostra envolvida pelo assunto em pauta que está sendo
relatado, com o mesmo diapasão vocal, do início ao fim do noticiário. Ou seja,
são tantos relatos fragmentados que não tem tempo de se envolver e refletir
sobre quase nenhum deles em particular, pois são colocados de forma impessoal e
dentro de uma cronologia curta. Logo, é assim que vive o nosso turista naquilo
que ele rotula como progresso. Uma vida fragmentada. Vou dar outro exemplo que caracteriza o modus
vivendi do nosso turista quando ele sai de férias. Digamos que ele seja um
personagem chic, culto e com bom poder aquisitivo. Ele passará no máximo uma
semana em Paris, depois, uns três dias em Londres, outros tantos em Roma, dará
uma esticada até a Grécia, visitará Veneza, voará até Berlim e estará visando o
seu passaporte de volta. O nosso amigo só vivenciou fragmentos de tempo,
guardando na memória da sua Nikon apenas fotos de lugares e eventos
passageiros. Aí vem uma questão que ainda não fora pensada por ele: o que é
mais importante para a sua vida? Conhecimentos ou informações?
Hoje vivemos no mundo da informação globalizada, sem limites
imaginários, seja através de revistas, jornais, televisão e principalmente,
através da Internet, com o Google e as Redes Sociais. E o que são todas essas informações
a não serem fragmentos? Informação é fragmento. Já o conhecimento é a
experiência vivida ou vivenciada de um evento, uma ação ou um fato.
A diferença de vida entre o turista e o peregrino é que o
primeiro vive de criar metas para o seu percurso na vida, enquanto o peregrino
considera o percurso como meta em sua vida, podendo assim conceituar a sua criativa
viagem como parte importante do acervo de experiências que geraram em si uma
temática própria a respeito do que foi vivenciado. Muito diferente do turista,
que ao concluir a sua falta de tempo e oportunidade para formular conceitos a
partir de uma experiência, prefere tomar as informações que os meios de
comunicação lhes conferem, sentindo-se atualizado pelos “Personal Training”
midiáticos, que acham o que você deve achar.
Como podemos ver considerar progresso àquilo que não pode ser
avaliado, não é permanente, não merece uma conceituação em virtude da sua
liquidez, não merece realmente ser assim chamado.
Alfredo Bião
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