José Luís Fiori
Busca de novo papel internacional, pelo Brasil, impõe riscos. Enfrentá-los exigirá enorme
inventividade, mas acovardar-se seria trágico. E já não há como voltar atrás.
As “grandes potências” se protegem coletivamente, impedindo o surgimento de novos
estados e economias líderes, através da monopolização das armas, da moeda e das finanças,
da informação e da inovação tecnológica. Por isto, uma “potencia emergente” é sempre um
fator de desestabilização e mudança do sistema mundial, porque sua ascensão ameaça o
monopólio das potências estabelecidas.
J.L.F. História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo
Editora Boitempo, 2014, SP (no prelo)
No Século XX, o Brasil deu um passo enorme e sofreu uma transformação profunda e
irreversível, do ponto de vista econômico, sociológico e político. No início do século, era
um país agrário, com um estado fraco e fragmentado, e com um poder econômico e militar
muito inferior ao da Argentina. Hoje, na segunda década do século XXI, o Brasil é o país mais
industrializado da América Latina, e a sétima maior economia do mundo; possui um estado
centralizado e democrático, uma sociedade altamente urbanizada – ainda que desigual — e é
o principal player internacional do continente sul-americano. Além disso, é um dos países do
mundo com maior potencial de crescimento pela frente, se tomarmos em conta seu território,
sua população e sua dotação de recursos estratégicos, sobretudo se for capaz de combinar
seu potencial exportador de commodities com a expansão sustentada do seu próprio parque
industrial e tecnológico.
Tudo isto são fatos e conquistas inquestionáveis, mas estes fatos e conquistas colocaram o
Brasil frente a um novo elenco de desafios internacionais, e hoje, em particular, o país está
enfrentando uma disjuntiva extremamente complexa. As próprias dimensões que o Brasil
adquiriu, e as decisões que tomou no passado recente, colocaram o país dentro do grupo dos
estados e das economias nacionais que fazem parte do núcleo de poder do “caleidoscópio
mundial”: um pequeno número de estados e economias nacionais que exercem – em
maior ou menor grau – um efeito gravitacional sobre todo o sistema, e que são capazes,
simultaneamente, de produzir um “rastro de crescimento” dentro de suas próprias regiões.
Queiram ou não queiram, estes países criam em torno de si “zonas de influencia”, onde têm
uma responsabilidade política maior que a dos seus vizinhos, enquanto são chamados a se
posicionar sobre acontecimentos e situações longe de suas regiões, o que não acontecia antes
de sua ascensão. Mas ao mesmo tempo, os países que ingressam neste pequeno “clube” dos
países mais ricos e poderosos tem que estar preparados, porque entram automaticamente
num novo patamar de competição, cada vez mais feroz, entre os próprios membros desse
“núcleo” que lutam entre si para impor a todo o sistema, os seus objetivos e as suas
estratégias nacionais de expansão e crescimento.
Neste momento, o Brasil já não tem como recuar sem pagar um preço muito alto. Mas por
outro lado, para avançar, o país precisará de uma dose extra de coragem, persistência e
inventividade. Além disto, terá que ter objetivos claros e uma coordenação estreita, entre
as agencias responsáveis pela política externa do país, envolvendo a sua diplomacia, a sua
política de defesa, articuladas com sua política econômica e com sua política de difusão global
de sua cultura e dos seus valores. E o que é mais importante, o Brasil terá que sustentar uma
“vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal
de construir consensos em torno de objetivos internacionais de longo prazo, junto com a
capacidade de planejar e implementar ações de curto e médio prazo, mobilizando os atores
sociais, políticos e econômicos relevantes, frente a cada situação e desafio em particular.
Mais difícil do que tudo isto, entretanto, será o Brasil descobrir um novo caminho de
afirmação da sua liderança e do seu poder internacional, dentro e fora de sua zona de
influencia imediata. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das grandes potências do
passado, e que não utilize a mesma arrogância e a mesma violência que utilizaram os europeus
e os norte-americanos para conquistar, submeter e “civilizar” suas colônias e protetorados.
Em segundo lugar, como todo país que ascende dentro do sistema internacional, o Brasil
terá que questionar de forma cada vez mais incisiva, a ordem institucional estabelecida e os
grandes acordos geopolíticos em que se sustenta. Mas o Brasil terá que fazê-lo sem o uso das
armas, e através de sua capacidade de construir alianças com quem quer que seja desde que
mantenha seus objetivos e valores, e consiga expandir-se e conquistar novas posições dentro
da hierarquia política e econômica internacional.
Este objetivo já não obedece mais a nenhum tipo de ideologia nacionalista, nem muito menos
a qualquer tipo de cartilha militar, obedece a um imperativo “funcional”’ do próprio “sistema
interestatal capitalista”: neste sistema, “quem não sobe cai” 1. Mas ao mesmo tempo, “quem
sobe”, tem que estar preparado, porque será atacado e desqualificado inevitavelmente e de
forma cada vez mais intensa e coordenada, dentro e fora de suas próprias fronteiras, caso não
se submeta à vontade estratégica dos antigos donos do poder global. Em qualquer momento
da história, é possível acovardar-se e submeter-se. Mas atenção, porque o preço desta
humilhação será cada vez maior e insuportável para a sociedade brasileira.
1. Elias, N. O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, vol 2, p: 134
*José Luís Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ, é
Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ, “O poder Global e a Geopolítica do
Capitalismo,www.poderglobal.net. O último livro publicado pelo autor, O Poder Global,
editora Boitempo, pode ser encontrado em nossa loja virtual. O acervo de seus textos
publicados no Outras Palavras, podem ser lidos aqui.
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