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E só tirar o bode...

 É só tirar o bode!...


Contam por aí, que um casal de idosos vivia no sossego da sua aposentadoria quando de repente tudo mudou ao saberem que a sua única filha recém-casada estava com dificuldades de criar o seu filho, pois o esposo tinha sido despedido do trabalho. 

Passaram doravante a especular se a filha fizera um bom casamento, se esse genro era um homem sério e capaz de sustentar a nova família com independência, se tinha feito algum “pé de meia” para vivenciar sozinho as dificuldades que estavam por vir etc. 

Como mãe é mãe; a senhora ponderou, que eles não poderiam deixar o casal e o neto sofrerem os reveses que a qualidade momento se apresentara, tentando remover do velho marido a ideia fixa de não se comprometer em ajudar, pois não desejava modificar a sua rotineira e previsível vidinha de aposentado.  Ele, por outro lado, argumentava dizendo que não teria mais como ver a sua novela, ler o seu jornal e dormir a tarde, pois o genro iria retirar a página dos esportes do seu jornal, desmantelando-o, que a sua novela da tarde estaria prejudicada pelas resenhas esportivas de outro canal nesse mesmo horário. Comentou que o seu netinho querido estaria chorando, ao querer mamar, já que a sua filha querida era “marinheira de primeira viagem”. Um rosário de ponderações tão grande que chamou a atenção da velha empregada baiana, ao ponto de ela tomar uma providência pouco usual, - falar com o patrão, aconselhando-o a safar-se dessa atribulação que tanto o afligia.

Depois de pensar como poderia abordá-lo sem gerar mais um problema, tomou coragem e partiu decidida a reverter aquela penúria. Perguntou se ele aceitava um conselho, que ela tanto titubeava em abordar para não o contrariar, e se poderia falar naquele momento. O velho já irritado com tantos rodeios, foi logo dizendo: -fale logo! É o seguinte, disse ela, aqui pertinho, uma vez por mês, pai Cipriano D’angola baixa num moço que é muito conceituado nas “curimbas” da região. – Acho bão o sinhô passar lá e contar o seu causo... O velho, que era um católico fervoroso, irritou-se dizendo: - não sou homem de acreditar e frequentar macumba, Josefa! Isso é coisa de “gentinha”, pessoas sem fé em Deus. Não negocio com demônios! A moça, saiu de fininho sabendo que acabara de “deixar um furo”... Como os problemas se agravaram, conforme a previsibilidade do velho, ele já se achava tentado a procurar a alternativa que a Zefa indicara. Tomou coragem e foi procurá-la na cozinha, falando sobre a sua repentina decisão: estava disposto a fazer a tal consulta! –Me dê o endereço e o dia, eu irei ver se isso merece algum crédito. Afinal de contas, disse: - já não aguento mais essa invasão de privacidade, esse desassossego...

No dia combinado, o velho sorrateiramente foi a noite consultar-se com a referida entidade na “curimba”do pai Cipriano D’angola. Teve que ser defumado antes, coisa que já não gostou muito, pois isso iria delatá-lo com a vizinhança e a D. Rosa, devido ao cheiro que o impregnou, depois teve que entrar numa fila pra sentar num pequeno banco, local esse que o “cambono” se referiu como sendo um “apoti”, coisa que de início o deixou sem referencial algum, pois desconhecia esse linguajar esquisito. Ficou ali por quase uma hora e meia, até que chegou a sua vez... Sentou-se no tal banco com grande dificuldade devido a sua pequena altura, sendo logo benzido com alguns galhos de arruda e guiné, molhados na água de uma cuia pelo “preto velho”.  A entidade o saudou, perguntando: Qui mi sin fio veio prosear qum esse véi aqui? O velho não entendeu bulhufas do que a tal entidade falava, até que o “cambono” vendo a dificuldade do neófito, traduziu: senhor, ele quer saber qual a demanda que o trás até aqui? O velho, agora mais seguro da situação, abriu o bico sobre a sua nefasta situação. Contou todos os seus novos problemas em decorrência dessa adversidade familiar. Pai Cipriano deu uma mascada no seu fumo de rolo e uma cusparada no salão que deixou um lago meio marrom e catinguento de fumo. Coçou a cabeça e disse: mi sin fio, suncê caminha até uma feira, compra um bode com chifre e leva para casa. Suncê uvio o que o preto véi disse? Atônito com essa receita, o velho quase que caiu do banco. – Um bode? – Suncê num cunhece? O velho olhou incrédulo para o “cambono” e disse: - foi isso mesmo que eu ouvi? Foi, disse o “cambono” com um ar de tradutor do google e um sorriso no canto da boca. – É fácil de achar e não custa esse dinheiro todo não! Acabada a sessão, saiu o velho todo defumado novamente e com uma cara de “cachorro a cavalo”, de tão desconfiado que ficou, para não dizer, incrédulo. Pensou: o que é que eu fui fazer num lugar desses, depois de tantos anos de vida cristã? Fui dar ouvidos a empregada e me danei. Agora, vou chegar em casa com esse cheiro, o que vou dizer para Rosa? 

Zefa, já estava ansiosa e preocupada, achando-se responsável direta por qualquer coisa que tivesse dado errado. Não contendo a preocupação, foi logo dizendo: - eu acho que o patrão não está conseguindo furar a procissão de Nossa Senhora do Desterro! – Daqui estou sentido o cheiro do incenso do padre, com o seu turíbulo balançando de um lado pro outro. D. Rosa, advertiu-a dizendo: - está parecendo cachorro, menina! - Onde já se viu alguém sentir um cheiro desses, se eu não estou ouvindo nem o povo rezar! – Eu, hein? Não deu outra, quando Zefa viu o sinhozinho apontar na esquina, saiu correndo para avisar sobre a desculpa do atraso e do cheiro... O velho sentiu-se aliviado e ao mesmo tempo chateado, sabia ele que estava negociando o seu caráter de cidadão ilibado, com uma versão intencional dos fatos... Desconfortável, sentiu-se.

Depois de ter enganado a D. Rosa com aquela versão, sabia que precisava comprar o tal bode para fazer o que a tal entidade recomendara. A situação em casa era insustentável, carecia de uma atitude pouco convencional para ser resolvida, pensou ele. No sábado seguinte, comprou o tal bode com a desculpa de que um amigo precisava viajar e não tinha quem poderia alimentá-lo. D. Rosa achou estranho, apesar de não desconfiar.

Desculpem-me de dizer sobre o que se passou a partir da chegada do tal bode “macumbado”. O bicho sujou a casa toda, esfregando-se nas paredes, cagou tudo o que jamais tinha comido, baliu até ninguém aguentar, e pior, começou a dar marradas com aquela cabeça dura em todos que ousassem passar na sua frente. Um caos! 

O velho pensava já em despedir a Zefa, só não o fez porque a sua consciência andava pesada e ficara preso a ela pela tal versão que contara para D. Rosa. A Zefa poderia acabar com aquela moralidade cristã em um abrir de boca, a coisa não iria prestar... 

Sem saber o que poderia fazer, procurou a empregada e perguntou: - que posso fazer agora? – Zefa argumentou: - acho melhor o senhor perguntar ao Pai Cipriano! – Quando será a nova consulta, perguntou. – Amanhã tem, disse a empregada sem graça. – Irei desmoralizar esse pai de santo, não estou aqui pra passar um vexame desses.

No dia seguinte, lá estava ele na fila, imaginando e remoendo nos seus pensamentos sobre que iria dizer para desmoralizar aquela farsa. Duas horas e meia depois conseguiu ser atendido, sentando-se no pequeno banco e sendo assessorado pelo “cambono” da casa.

O diálogo foi algo que nenhum de nós poderia imaginar. O pai Cipriano olhava pro velho com os olhos brilhantes e um leve sorriso no canto da boca, torta pelo uso do cachimbo. Depois de demorar alguns instantes perguntou ao velho: - suncê tava precisado de me falar, num tava? – O véi aqui tá ficano sabido, hi,hi,hi. O velho, não aguentou e contou a sua primeira consulta e a receita que a entidade lhe passara, mostrando já exaltado o histórico do resultado... Pai Cipriano, perguntou: - mi si fio, suncê qué que o véi diga o que sucê tem qui fazê, num é? – Claro, respondeu o velho, já com a boca seca de tanto falar. -  Iscuti o que o véi vai dizer: - tire o bode! – Como assim? – Depois de ter piorado a minha situação com essa sua receita, o senhor me diz isso? Que palhaçada é essa? A minha casa ficou um pardieiro, um chiqueiro, imunda e fedendo. Terei que mandar pintá-la e fazer uma caríssima faxina por causa do bode que você me receitou, e agora, me manda tira o bode! – O Pai Cipriano deu uma daquelas cusparadas do fumo que estava mascando e sorrindo baixinho falou: - fio, suncê tava achando ruim ficar cum sua fia, seu netinho e o perna de calça dela. Suncê veiu prucurá o véi pra acabar com o seu probema, num foi? Então, suncê não sabia qui pudia ficá pió, e foi isso qui aconteceu. Agora, suncê tira o bode qui tudo vai milhorar! Hi,hi,hi,hi,hi.

Qualquer semelhança com o que está acontecendo com a situação política é mera coincidência...

Tiraram a Dilma por isso e aquilo... 

Colocaram o Temer e o Bozo para melhorar...

Agora, é só tirar.




J. Alfredo Bião

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