Obàtálà & Odùdúwà na Gênese Yorubá
Prefácio
Joana Elbein dos Santos, no livro Os Nàgó e a Morte, em sua tese de
Doutorado em Etnologia na Universidade de Sorbonne em Paris, traduzida pela
Universidade Federal da Bahia, forneceu-me os dados necessários sobre os dois
princípios responsáveis pela Gênese do Universo, - Obàtálà e Odùdúwà, que
disputam o título de Òrìsà da Criação, revelando-me que houve um embate pela
supremacia entre estes dois princípios; sendo assim, um fator constante em
todos os mitos e textos litúrgicos Nàgó. Segundo ela, em alguns mitos, Odùdúwà,
também chamado Odùa, é a representação deificada das Iyá-mi, a representação
coletiva das mães ancestrais e princípio feminino onde tudo se origina. Assim,
Odù corresponde a Obàtálà ou Òrìsàlá, que é o princípio criativo masculino.
Desejo, através deste trabalho, mostrar o significado dos Òrìsà-funfun
na Gênese do Universo, no seu Cosmo-Gênese, como também, o seu significado
psicológico e humano, através do Ìtàn Ìgbà-ndá àié, revelado pelo Odù-Ifá
Òtúrúpòn-Òwónrín; assim como, demonstrar que os mitos cosmogônicos não
descrevem o início absoluto do mundo, mas, o surgimento da consciência como
segunda criação. “Observem que ninguém percebe que sem uma mente reflexiva não
há mundo, e que, por conseguinte, a consciência é um segundo criador do mundo”.
Carl G. Jung.
O fato de ter feito analogias com textos bíblicos cristãos, taoístas,
budistas, teosóficos, esotéricos, exotéricos e psicológicos para decodificar a
mensagem mítica deste Ìtán teve por finalidade esclarecer aos leitores, com os
seus acervos culturais, psicológicos e religiosos, que “todos os vasos são de
ouro puro”, como dizem os mestres budistas. Ou seja, a Verdade é Una, chegou
para todos de forma diferenciada, apenas na sua forma, - conforme a sua
cultura.
Observei que a cosmo visão religiosa do Candomblé é fortemente
influenciada pela concepção de mundo na tradição Yorubá, e que essa tradição
possui uma grande complexidade devido à falta de uniformidade, permitindo assim
um grande número de conceitos e interpretações por não ter nenhuma instância
que sirva de referência e medida para o todo. Em compensação, há uma visão
unitária básica da existência que é compartilhada pelos “filhos de santo”. A
concepção Yorubá de mundo existe em dois níveis denominados “doublê”, Àiyé e
Orún, que não são locais separados existencialmente, mas, formas e
possibilidades diferenciadas entre si, que não se opõe uma a outra, existindo
de forma paralela apenas. Logo, o Àiyé não é um nível de existência fora do
Orún, mas, um útero que o fecunda e manifesta toda a sua criatividade
ilimitada, gerando um equilíbrio. Um não subsiste sem o outro, e desta harmonia
depende todo universo e suas formas de vida. A manutenção deste equilíbrio harmônico na
natureza e no ser é o objetivo do Candomblé através de suas atividades
religiosas. A Gênese Nàgó Yorubá retrata através do mito Igbà-Odù a luta
travada entre os princípios responsáveis pela Criação, Obàtálà e Odùdúwà para o
restabelecimento dessa harmonia à partir do conflito gerado por suas polaridades
complementares. Obàtálà é o elemento criativo idealizador, Odùdúwà, o elemento
gestor de toda a existência material, física e humana. A mensagem deste
belíssimo Itán tem a finalidade de nos mostrar que só através da individuação e
integralidade dos opostos é possível gerarmos algo criativo com sucesso e
harmonia.
Algumas pessoas no decorrer deste trabalho, não discerniram com
facilidade o termo individuação criado por Carl Gustav Jung, por isso, tentarei
esclarecê-lo para uma melhor compreensão.
Há uma enorme diferença entre individuação e individualismo, pois, a
individuação respeita as normas coletivas de uma sociedade e, o individualismo
as combate. A individuação é um processo no qual o ego visa tornar-se
diferenciado da coletividade com tendências inconscientes, apesar de nela viver
e ainda assim, ampliar as suas relações sociais. Já o individualismo, cede à
tendências egocêntricas e narcisistas, identificando-se com papéis coletivos
inconscientes. A individuação integra o ser levando-o à realização espiritual e
ao Self ou Eu superior, ao invés da satisfação egótica. Este processo porém, só
é alcançado através de uma grande resistência e defesa do ego, que gera assim,
um grande conflito. Muitas vezes, sonhamos com figuras que tendem a demonstrar
a necessidade de uma integralidade com a polarização oposta à nossa
consciência. Precisamos a partir daí saber de forma consciente o recado que o
nosso inconsciente nos dá, integralizando-nos, acabando assim com o conflito
que bloqueia o crescimento espiritual exigido. Como exemplo, darei o sonho Bíblico
de Jacó, em Gênesis 28:10 onde o mesmo,
depois de uma cansativa viagem pelo deserto, deita-se e recosta sua cabeça
sobre uma pedra para dormir. Depara-se em sonho com a imagem de uma grande escada
que se apóia na terra e chega aos céus. Os anjos do Senhor sobem e descem os
seus degraus! Eis que Iahweh estava de pé diante dele e lhe disse: “Eu sou o
Deus de Abraão. A terra sobre a qual dormiste, eu a dou à ti e a tua
descendência. Eu estou contigo e te guardarei em todo o lugar onde fores, e te
reconduzirei a esta terra, porque não te abandonarei enquanto não tiver
realizado o que prometi”.
Este sonho arquetípico nos revela a ajuda que o Self nos dá através de imagens oníricas que intermediam essa jornada de crescimento e integralidade, vencendo em primeira instância as contendas do inconsciente pessoal para depois ir para o coletivo, sua nova etapa, aquela que Deus escolhera para ele. Observe, que Jacó ao acordar deduz assustado: “Na verdade o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia!” Teve medo e disse: “Este lugar é terrível!” O local deste encontro Bíblico é sombrio e terrível, como relata Jacó, porém, só aí é a casa de Deus, - o inconsciente, uma casa de Deus, onde o sonho é a porta dos céus!
“Portanto, sede vós perfeitos como é perfeito o vosso Pai Celeste”. Esta é a proposta de Jesus em Matheus 5:48, uma meta que deve ser aspirada por todos os seres para a sua evolução espiritual, trocando o conceito de bem e mal por algo que lhe convém ou não para a sua evolução. Essa perfeição, é fruto de um consenso espiritual entre os seres humanos à partir da Graça.
Este sonho arquetípico nos revela a ajuda que o Self nos dá através de imagens oníricas que intermediam essa jornada de crescimento e integralidade, vencendo em primeira instância as contendas do inconsciente pessoal para depois ir para o coletivo, sua nova etapa, aquela que Deus escolhera para ele. Observe, que Jacó ao acordar deduz assustado: “Na verdade o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia!” Teve medo e disse: “Este lugar é terrível!” O local deste encontro Bíblico é sombrio e terrível, como relata Jacó, porém, só aí é a casa de Deus, - o inconsciente, uma casa de Deus, onde o sonho é a porta dos céus!
“Portanto, sede vós perfeitos como é perfeito o vosso Pai Celeste”. Esta é a proposta de Jesus em Matheus 5:48, uma meta que deve ser aspirada por todos os seres para a sua evolução espiritual, trocando o conceito de bem e mal por algo que lhe convém ou não para a sua evolução. Essa perfeição, é fruto de um consenso espiritual entre os seres humanos à partir da Graça.
Introdução
Há sempre a oportunidade de fazermos uma “oferenda” para a qualidade
momento que estamos vivenciando.
“O mito Nàgó Yorubá, Igbà-Odù, é uma Gênese que retrata esse sábio
conselho, necessário ao nosso desenvolvimento pessoal e uma antevisão do
caminho a ser percorrido”. Juana Elbein dos Santos.
“A religião Nagô Yorubá é rica em contos míticos, fazendo-se necessário
lembrar que o mito é uma entidade viva que existe dentro de nós, como um
arquétipo ancestral coletivo do nosso inconsciente. Se o imaginarmos como um
espiral, girando de baixo para cima, como principio dinâmico de evolução no
nosso interior, seremos nós capazes de captar a sua verdadeira forma e sentir
como ele está vivo dentro de nós”. Juana Elbein dos Santos.
“Quando apresentamos um mito como este, existe para a pessoa que o
vivencia, um efeito curativo; devido à sua participação é enquadrado nela um
arquétipo de comportamento e, desse modo pode chegar pessoalmente à
integralidade. Se esses arquétipos, fatos pré-existentes e pré-formadores da
nossa psique forem considerados como simples instintos, como demônios ou
deuses, em nada altera o fato de sua presença atuante em nós. Mas fará
certamente uma grande diferença, se nós os desvalorizarmos com simples instintos,
os reprimindo como demônios, ou os supervalorizarmos como deuses”. Carl G. Jung.
Espero que esse conto mítico produza insights compreensíveis ao meio, -
o “povo do santo” do Candomblé, como também a todos que buscam uma integração
com o grupo como caminho de individuação e crescimento espiritual.
Os mitos, assim como toda
cultura Yorubá religiosa, não foram criados por um indivíduo, são experiências
e produtos da imaginação de um povo em todas as suas gerações. À medida que são
contados, recontados e vividos, vão agregando novas experiências e
aperfeiçoando-se de forma lapidar. Dessa forma, expressam as imagens do
inconsciente coletivo de toda uma cultura e descrevem níveis de realidade que
exprimem o mundo, sua manifestação exterior, racional e consciente, assim como,
os mundos interiores, inconscientes, pouco compreensíveis por nós. Quero crer que sentimentos fortes irão aflorar
quando alcançarmos o insight psicológico
que os mitos nos trazem. Por serem imagens arcaicas e distanciadas da nossa realidade,
à primeira vista, não nos são compreensíveis, porém, irão aflorando à
consciência e serão discernidos prazerosamente, ajudando assim a nos
integrarmos.
Existem segundo recentes
pesquisas, diferentes enfoques e versões sobre a Criação do Mundo no conceito
Yorubá. As mais conhecidas são as de Juana Elbein dos Santos, esposa de Mestre
Didi; o belíssimo trabalho do Fatumbi, - Pierre Verger, com alguns renomados
nomes, como seguidores; o de Ney Lopes, profundo conhecedor e pesquisador da
cultura negra e africana; o esclarecedor trabalho de Adilson de Òsàlá,
apresentando-o de forma acessível para os menos esclarecidos; o do dedicado e
profundo conhecedor, - o pesquisador José Beniste, a quem hoje o Candomblé deve
a sua divulgação e profunda pesquisa, e, o mais atual, o de Gisele Omíndarewá
Crossard, – AWÔ.
Mãe Gisele, relatou-me que em suas viagens constantes ao continente
africano, em suas pesquisas de campo com babalaôs africanos, que Obàtálà criou
o mundo com a ajuda de Yeyemowo, sua esposa, e, que o primeiro ser criado por
ele chamava-se Lamurudu, fundador da cidade de Ifé. Que, não se dando bem por
lá, foi badalar pelo mundo. Nas suas andanças, teve um filho a quem deu o nome
de Odùdúwà. Antes de morrer, Lamurudu
aconselhou seu filho Odùdúwà a ir até Ìfé, o que ele fez prontamente. Odùdúwà,
em Ifé teve um filho chamado Okambi e esse teve sete filhos, que a partir deles
criaram outros reinos no país Yorubá. Disse-me ela, que na Nigéria, as escolas
ensinam para as crianças nos livros, que Odùdúwà é o fundador de Ifé e é
considerado um ancestral divinizado.
Continuando o seu relato, conta-me ela, que encontrou em Cotonu, cidade
africana, uma mocinha feita para Odùdúwà. Disse-me também que ao se aprofundar
nos fundamentos Yorubás, mais perplexa ficou evitando por isso construir uma tese
como esta, sobre a dualidade masculino-feminina
de Obàtálà, na Gênese da Criação, e o
Caminho de Volta...
Agradeço a ela o incentivo dado ao ler em primeira mão, via e-mail, este
trabalho aqui apresentado, como também, a sua elegância e humildade em
considerá-lo. Por que então escolhi a
pesquisa de campo de Joana Elbein dos Santos como referência? Para mim, em se
tratando de uma Gênese, suponho que nada antes existia de forma manifesta e
material, logo, não devo confundir o dedo que aponta para a luz, com a própria
luz.
J. Alfredo Bião
Definições
Os mitos foram à primeira expressão da eterna busca de compreensão do
homem acerca do mundo e de si mesmo. Diferentes da ciência, que busca o “como”,
os mitos explicam “porque as coisas são assim”. É, por isso, a forma mais
concreta da verdade.
Alan Watts (escritor e conferencista).
O mito encarna a abordagem mais próxima da verdade absoluta que pode
ser expressa em palavras.
Ananda Coomacaswamy (1877-1947)
Filósofo indiano.
O mito é o estágio intermediário natural e indispensável entre a
cognição inconsciente e a consciente. Compreendi subitamente o que significa
viver com um mito e o que significa viver sem ele. Portanto, o homem que pensa
que pode viver sem o mito, ou fora dele, é uma exceção. É como uma pessoa
desenraizada, sem um verdadeiro vínculo com o passado, com a vida ancestral
dentro dela, ou com a vida contemporânea.
Carl Gustav Jung (Psicanalista).
Criar um mito, isto é, aventurar-se por traz da realidade dos sentidos
com o intuito de encontrar uma realidade superior, é o sinal mais manifesto da
grandeza da alma humana e a prova de sua capacidade de infinito crescimento e
desenvolvimento.
Louis Auguste Sabatier (1839 – 1901) Teólogo protestante francês.
O Mito
Esta história-mítica (Ìtàn),
sobre a criação do mundo encontra-se revelada no livro Os Nàgó e a Morte, de
Juana Elbein dos Santos e, faz parte do conjunto de textos oraculares de Ifá, segundo
ela. Representando um dos duzentos e cinqüenta e seis signos, denominados Odù.
Segundo Juana, este Ìtan pertence ao odù-Ifá Òtúrúpòn-Òwónrín, sendo apenas uma
versão resumida devido ao tamanho do seu texto e a riqueza de dados.
Tento aqui apenas
ilustrar ao leitor a origem, assim como mostrar a beleza dos seus fundamentos
que me serviram de base para uma viagem arquetípica com os seus personagens
míticos.
Ìtàn ìgbà-ndá àiyé: “Quando Olórun decidiu criar a terra, chamou
Obàtálà e entregou-lhe o “saco da existência”, àpò-iwà, e deu-lhe a instrução
necessária para a realização da magna tarefa. Obàtálà reuniu todos os òrìsà e
preparou-se sem perda de tempo. De saída, encontrou-se com Odùa que lhe disse
que só o acompanharia após realizar suas obrigações rituais. Já no òna-òrun, -
caminho, Obàtálà passou diante por Èsù, este, grande controlador e
transportador de sacrifícios, que domina os caminhos, perguntou-lhe se ele já
tinha feito as oferendas propiciatórias. Sem se deter, Obàtálà respondeu-lhe
que não tinha feito nada e seguiu o seu caminho sem dar mais importância à
questão. E foi assim que Èsù sentenciou
que nada do que ele se propunha empreender seria realizado”.
Com efeito, enquanto Obàtálà seguia seu caminho, começou a ter sede passou
perto de um rio, mas não parou. Passou por uma aldeia onde lhe ofereceram
leite, mas ele não aceitou. Continuou andando. Sua sede aumentava e era
insuportável. De repente, viu diante de sí uma palmeira Igí-òpe e, sem se poder
conter, plantou no tronco da arvore o seu cajado ritual, o òpá-sóró, e bebeu a
seiva (vinho de palmeira). Bebeu insaciavelmente até que suas forças o
abandonaram, até perder os sentidos e ficou estendido no meio do caminho. Nesse
meio tempo, Odùa, que foi consultar Ifá, fazia suas oferendas a Èsù. Seguindo
os conselhos dos babaláwo, ela trouxera cinco galinhas, das que tem cinco dedos
em cada pata, cinco pombos, um camaleão, dois mil elos de cadeia e todos os
outros elementos que acompanham o sacrifício.
Èsù apanhou estes últimos e uma pena da cabeça de cada ave e devolveu a
Odùa a cadeia, as aves e o camaleão
vivos. Odùa consultou outra vez os babaláwo que lhe indicaram ser necessário,
agora, efetuar um ebo, isto é, um sacrifício, aos pés de Olórun, de duzentos
ìgbin, - os caracóis que contém “sangue branco”, “a água que apazigua”, -
omi-èrò.
Quando Odùa levou o cesto com os ìgbin, Òlórun aborreceu-se vendo que
Odùa ainda não tinha partido com os outros. Odùa não perdeu a sua calma e
explicou que estava obedecendo à ordem de Ifá.
Foi assim que Òlórun decidiu aceitar a oferenda, e ao abrir o seu
Àpére-odù - espécie de grande almofada onde geralmente Ele está sentado, para colocar a água dos ìgbin, viu, com
surpresa, que não havia colocado no àpò-Ìwà - bolsa da existência - entregue a
Obàtálà, um pequeno saco contendo a terra. Ele entregou a terra nas mãos de Odùa,
para que ela por sua vez a remetesse a Obàtálà.
Odùa partiu para alcançar
Obàtálà. Ela o encontrou inanimado ao pé da palmeira, contornado por todos os Òrìsà
que não sabiam que fazer. Depois de
tentar em vão acordá-lo, ela apanhou o àpò-Ìwà que estava no chão e voltou para
entregá-lo a Olórun. Este decidiu, então, encarregar Odùa da criação da Terra.
Na volta de Odùa, Obàtálà ainda dormia; ela reuniu todos Orìsà e, explicou-lhes o que fora delegado por Olórun e eles, dirigiram-se todos juntos para o Òrun Àkàsò por onde deviam passar para assim alcançar o lugar determinado por Òlórun para a criação da terra. Èsù, Ògún, Òsóòsi e Ìja conheciam o caminho que leva às águas onde iam caçar e pescar. Ògún ofereceu-se para mostrar o caminho e converteu-se no Asiwajú e no Olúlànà – aquele que está na vanguarda e aquele que desbrava os caminhos. Chegando diante do Òpó-Òrun-oún-Àiyé, o pilar que une o òrun ao mundo, eles colocaram a cadeia ao longo da qual Odùa deslizou até o lugar indicado por cima das águas. Ela lançou a terra e enviou Eyelé, a pomba, para esparramá-la. Eyelé trabalhou muito tempo. Para apressar a tarefa, Odùa enviou as cinco galinhas de cinco dedos em cada pata. Estas removeram e espalharam a terra imediatamente em todas as direções, à direita, à esquerda e ao centro, a perder de vista. Elas continuaram durante algum tempo. Odùa quis saber se a terra estava firme. Enviou o camaleão que, com muita precaução, colocou primeiro a pata, tateando, apoiando-se sobre esta pata, colocou a outra e assim sucessivamente até que sentiu a terra firme sob suas as patas.
Na volta de Odùa, Obàtálà ainda dormia; ela reuniu todos Orìsà e, explicou-lhes o que fora delegado por Olórun e eles, dirigiram-se todos juntos para o Òrun Àkàsò por onde deviam passar para assim alcançar o lugar determinado por Òlórun para a criação da terra. Èsù, Ògún, Òsóòsi e Ìja conheciam o caminho que leva às águas onde iam caçar e pescar. Ògún ofereceu-se para mostrar o caminho e converteu-se no Asiwajú e no Olúlànà – aquele que está na vanguarda e aquele que desbrava os caminhos. Chegando diante do Òpó-Òrun-oún-Àiyé, o pilar que une o òrun ao mundo, eles colocaram a cadeia ao longo da qual Odùa deslizou até o lugar indicado por cima das águas. Ela lançou a terra e enviou Eyelé, a pomba, para esparramá-la. Eyelé trabalhou muito tempo. Para apressar a tarefa, Odùa enviou as cinco galinhas de cinco dedos em cada pata. Estas removeram e espalharam a terra imediatamente em todas as direções, à direita, à esquerda e ao centro, a perder de vista. Elas continuaram durante algum tempo. Odùa quis saber se a terra estava firme. Enviou o camaleão que, com muita precaução, colocou primeiro a pata, tateando, apoiando-se sobre esta pata, colocou a outra e assim sucessivamente até que sentiu a terra firme sob suas as patas.
Ole? Kole?
Ela esta
firme? Ela não está firme?
Quando o camaleão pisou por todos os lados, Odùa tentou por sua vez. Odùa
foi a primeira entidade a pisar na terra, marcando-a com sua primeira pegada.
Essa marca é chamada esè ntaiyé Odùdúwà.
Atrás de Odùa, vieram todos os outros Òrìsà colocando-se sob sua
autoridade. Começaram a instalar-se. Todos os dias Òrúnmìlà – patrão do oráculo
consultava Ifá para Odùa. Nesse meio
tempo Obàtálà acordou e vendo-se só sem o àpó-ìwà, retornou a Òlórun,
lamentando-se de ter sido despojado do àpò.
Òlórun tentou apaziguá-lo e em compensação transmitiu-lhe o saber
profundo e o poder que lhe permitia criar todos os tipos de seres que iriam
povoar a terra.
A narração diz textualmente:
“Isé àjùlo yé nni ìseda, ti ó fi móo seda àwon ènìyàn àti orísirísi ohun
gbogbo tí ó ó móó òde àiyé òun àti igi gbogbo, ìtàkùn, koriko, eranko, eie,
eja, ati àwon ènìyàn”.
“Os trabalhos transcendentais de
criação permitir-lhe-iam criar todos os seres humanos e as múltiplas variedades
de espécies que povoariam os espaços do mundo: todas as árvores, plantas,
ervas, animais, aves, pássaros, peixes, e todos os tipos de humanos”.
Foi assim que Obàtálà aprendeu e foi delegado para executar esses
importantes trabalhos. Então, ele se preparou para chegar a terra. Reuniu os Òrìsà
que esperavam por ele, Olúfón, Eteko, Olúorogbo, Olúwofin, Ògìyán e o resto dos
Òrìsà-funfun.
No dia em que estavam para chegar, Òrúnmìlà, que estava consultando Ifá
para Odùa, anunciou-lhe o acontecimento. Obàtálà, ele mesmo, e seu séquito
vinham dos espaços do Òrún. Òrúnmìlà, fez com que Odùa soubesse que se ela quizesse
que a terra fosse firmemente estabelecida e que a existência se desenvolvesse e
crescesse como ela havia projetado, ela devia receber Obàtálà com reverência e
todos deveriam considerá-lo como seu pai.
No dia de sua chegada, Òrìsànlá, foi recebido e saudado com grande
respeito:
1. Oba-áláá o kú àbòò!
2. Oba nlá mò wá déé oo!
3. O kú ìrìn!
4. Erú wáá dájì.
5. Erú wáá dájì
6. Olówó àiyé wònyé òò.
1. Oba-áláá, seja bem-vindo!
2. Oba nlá (o grande rei) acaba de chegar!
3. Saudações por ocasião da viagem que acaba de fazer!
4. Os escravos vieram servir seu mestre.
5. Os escravos vieram servir seu mestre.
6. Oh! Senhor dos habitantes do mundo!
Odùa e Obàtálà ficaram sentados face a face, até o momento em que
Obàtálà decidiu que iria instalar-se com sua gente e ocupariam um lugar chamado
Ìdítàa. Construíram uma cidade e rodearam-na de vigias. Segue-se um longo
texto, segundo o qual os dois grupos se interrogavam a fim de saber quem
realmente devia reinar. Se Obàtálà é poderoso, Odùdúwà chegou primeiro e criou
a terra sobre as águas, onde todos moram. Mas também foi Obàtálà quem criou as
espécies e todos os seres. Os grupos não chegavam a um acordo e as divergências
e atritos se fizeram cada vez mais sérios até terminar em escaramuças.
As opiniões não eram constantes e os partidários de um ou de outro
tanto aumentavam ou diminuíam de acordo com o que parecia ser mais poderoso,
até que explodiu uma verdadeira guerra, colocando em perigo toda a criação.
Òrúnmìlà interveio e um novo Odù, Ìwoòrì-Ògbèrè, trouxe a solução. Esse signo
apareceu no dia em que Òrúnmìlà consultou Ifá a fim de que solucionasse a luta
entre Òrìsànlá e Odùa. Òrúnmìlà usou de toda sua sabedoria para fazer Odùa e
Obàtálà virem a Oropo, onde conseguiu sentá-los face a face, assinalando a
importância da tarefa de cada um deles; reconfortou Obàtálà, dizendo que ele
era o mais velho, que Odùa havia criado a terra em seu lugar e que ele tinha
vindo para ajudar e para consolidar a
criação e não era justo que ele botasse tudo a perder. Depois, convenceu Odùa a
ser amável com Obàtálà: não tinha sido ela quem havia criado a terra? Por acaso
Obàtálà não tinha vindo do Òrún para que convivessem juntos? Por acaso, todas
as criaturas, árvores, animais e seres humanos não sabiam que a terra lhe
pertencia?
Inú Odùaà ó ro,
Inú Orixalá naa a si rôo.
Odùa apazigou-se, Obàtálà também se apazigou.
Foi assim que ele fez Odùa
sentar-se à sua esquerda e Obàtálà à sua direita e colocando-se no centro,
realizou os sacrifícios prescritos para selar o acordo. É a partir desse acontecimento, que celebram
anualmente os sacrifícios e o festival com repasto (ododún sise), que reúne os
dois grupos que cultuam Odùdúwà e Obàtálà, revivendo e ritualizando a relação
harmoniosa entre o poder feminino e o poder masculino, entre o àiyé e o Òrún, o
que permitirá a sobrevivência do universo e a continuação da existência nos dois
níveis.
“O feminino e o masculino complementando-se para poder conter os
elementos-signo que permitem a procriação e a continuidade da existência”.
Juana Elbein dos Santos
Este Ìtan será apresentado em capítulos semanais, faz parte de um trabalho com cinco capítulos.
Este Ìtan será apresentado em capítulos semanais, faz parte de um trabalho com cinco capítulos.
Primeiro Capítulo
A Criação
Nosso Ìtàn àtowódówó, - “conto
dos tempos imemoriais”, começa como todos os outros: Era uma vez um reino... E, como sempre, existe um reino que é o início
de tudo.
Em termos práticos, esse reino significa a nossa vida interior, pois nesse
Ìtán se expressa um conhecimento imediato da nossa alma, por assim dizer, um
conhecimento “que ela trouxe consigo”, pois é o mais velho do mundo, simbólico,
uma parábola para o caminho do ser humano no reino interior, que não é desse
mundo...
Como sempre, nesse reino há um rei, aqui chamado Olódùmaré, conhecido
como Àjàlórún e Òlórun, “Senhor ou Rei do Òrún, o Aláàbálàxe -” Senhor que tem
o poder de sugerir e realizar; “a Força Vital e o Universo; ou seja, é um Obá
arinún-róòde, -” Senhor que concentra em si mesmo tudo o que é interior e
exterior, tudo o que é oculto e o que é manifesto”. Assim, Òlórun criou
Obàtálà, Odùdúwà, Ifá e Làtópà; criando assim, o principio masculino – criativo
e o principio feminino – receptivo, o conhecimento e sabedoria e, o princípio dinâmico - catalisador.
Vivia Ele na companhia de muitos
filhos, estes, por um lado, expressavam as suas manifestações, os seus
atributos e obedeciam a uma hierarquia de funções. Dividiam-se, a princípio, em
dois grupos principais: Òrìsà e Èbora.
O filho que ocupa a mais alta função
hierárquica neste panteão é Adjàgunalé ou Òrúnmìlà, como é mais conhecido;
outro funfun, que é originário da fusão de duas energias femininas, Toró e Gegé,
- o Sacerdote do Reino, o Gbáiyé-gbórun, aquele que vive tanto no Céu como na
Terra, aquele que representa a sabedoria expressa do pai Olòdùmaré, é o
princípio do conhecimento expresso; é o Elérùípín - testemunha do destino, ou
Alàtùúnxe Àiyé, - aquele que coloca o mundo em ordem. Seu nome significa: “o Céu conhece a salvação”.
É quem estabelece os desígnios
através do oráculo, chamado Ifá, depositário do princípio de conhecimento e
sabedoria de Òlórun, sistema que nos deixou como legado através dos tempos.
O princípio no qual se baseia o sistema Ifá, com o seu opèlé, ou o
èrindilogum, chamado “jogo de búzios”,
que se encontra aparentemente em profunda contradição com a concepção do mundo
ocidental, científica e tecnológica; apesar de ser arcaico tem um sistema
binário, onde seus 16 Omo-Odù consultam-se com os 16 Odù principais, totalizando
assim, 256 combinações; igual ao conceito do computador de hoje. Em outras palavras,
arrisco dizer, proibido, uma vez que é incompreensível e, foge ao nosso juízo
racional.
O sistema Ifá não se baseia no princípio da causalidade, e sim, num princípio que Carl Gustav Jung denominou de “princípio de sincronicidade”; pois existem manifestações paralelas e comuns entre si que não se relacionam absolutamente de modo causal. Tal conexão baseia-se essencialmente na simultaneidade de eventos. Ou seja, tudo o que acontece no Àiyé simultaneamente ocorre no Òrún, pois é lá a matriz espiritual do que se manifesta aqui. Longe de ser uma abstração, o tempo apresenta-se como continuidade concreta, contendo qualidades e condições básicas que se manifestam em locais diferentes com simultaneidade, num paralelismo que não se explica de forma causal. Sendo assim apresentado no conceito Yorubá de “doblê”, - o “assim na terra como no céu”, ocidental e cristão.
O sistema Ifá não se baseia no princípio da causalidade, e sim, num princípio que Carl Gustav Jung denominou de “princípio de sincronicidade”; pois existem manifestações paralelas e comuns entre si que não se relacionam absolutamente de modo causal. Tal conexão baseia-se essencialmente na simultaneidade de eventos. Ou seja, tudo o que acontece no Àiyé simultaneamente ocorre no Òrún, pois é lá a matriz espiritual do que se manifesta aqui. Longe de ser uma abstração, o tempo apresenta-se como continuidade concreta, contendo qualidades e condições básicas que se manifestam em locais diferentes com simultaneidade, num paralelismo que não se explica de forma causal. Sendo assim apresentado no conceito Yorubá de “doblê”, - o “assim na terra como no céu”, ocidental e cristão.
Se considerarmos a existência dos diagnósticos do oráculo Ifá corretos,
estes sem dúvida, não se baseiam nas influências dos Odù, mas, nas hipotéticas qualidades-momento
do tempo, que os representa. Ou seja, “o que nasce ou é criado num dado momento,
adquire as qualidades deste momento”. Jung.
Esta é a fórmula básica do oráculo Ifá, através de Òrúnmìlá, ou, o èríndilogum,
onde o patrono é Èsù.
Èsù leva como mensageiro para
Òrúnmìlá o problema, e, Òsun revela-o, através do quadro de Odù a solução, ao
manifestá-lo na “caída” dos búzios. Sabe-se
que o conhecimento do Odù é o que reproduz a qualidade do momento e, que é
obtido através da manipulação puramente causal do opelé ou dos búzios. Os
búzios caem conforme se apresenta à “qualidade-momento doblé”. A qualidade
oculta do momento é expressa e revelada através do signo símbolo do Odù Ifá,
tornando-se então legível através do seu Ìtán, - estória arquetípica, que nos
mostra o caminho e a solução, através da sua mensagem metafórica e, do ritual
propiciatório, - ebo.
O nascimento de uma situação corresponde à configuração dos búzios
caídos, o signo-símbolo-odù e, a qualidade-momento ao ìtàn, - conto mítico que
o apresenta como um caminho indicado pelo Odù Ifá. Esse legado oracular que
hoje em dia é usado pelas tradicionais casas, é denominado “Sistema Bámgbósé”.
Todavia, essa sabedoria fica
imobilizada sem o “princípio dinâmico” - Èsù, o filho mais irreverente e
poderoso do panteão africano, pois nada pode existir sem a sua participação e
colaboração, o que é óbvio. Além disso, para nós ocidentais, tão racionalistas,
é necessário ter fé para aceitar os desígnios de um oráculo, ou de um sonho com
uma mensagem arquetípica.
Para elucidar melhor o conceito
de sincronicidade acima descrito, darei como exemplo a estória que Shree
Braghavan Rascheneesh – Osho, nos relata em um dos seus livros.
“Havia um rabino chamado Eisik
filho do rabino Yekel, da cidade de Cracóvia”.
Assim começa o relato:
Assim começa o relato:
O rabino Eisik era um homem
muito pobre e, há três dias, estava tendo um sonho que relatava para ele haver
na cidade de Praga, um tesouro enterrado embaixo de uma ponte que liga a cidade
ao castelo do rei. Eisik resolveu então viajar durante três dias e três noites
até a referida capital. Lá chegando, descobriu que a ponte que dava acesso ao
castelo era bem guardada pelos guardas do rei. Dia e noite, estava ele rondando
a ponte para ver a possibilidade de descer até as suas bases e cavar. Seis dias
se passaram, no sétimo, foi repentinamente abordado pelo capitão da guarda
local, que já o observava há dias. O capitão, dirigindo-se a ele gentilmente,
perguntou-lhe se esperava alguém ou se procurava alguma coisa ali, naquele
lugar.
Eisik contou-lhe o sonho que tivera há seis dias. O capitão riu-se
dele, dizendo: amigo, você ainda acredita em sonhos, a ponto de gastar os seus
sapatos e ter que viajar uma distância tão longa, só para ver se o seu sonho é
verdadeiro? Imagine, pois eu tive a mesma experiência que
você, há seis dias. Sonhei que havia um tesouro enterrado em baixo de um fogão
na casa de um rabino chamado Eisik, filho de Yekel da cidade de Cracóvia.
Agora, observe bem, disse sorrindo, se eu acreditasse em sonhos, teria que ir
até Cracóvia, onde a metade dos judeus chama-se Eisik e a outra metade Yekel.
O rabino Eisik ao ouvir o capitão da guarda, agradeceu fazendo uma
reverência, saindo de volta à sua casa na cidade de Cracóvia.
Três dias depois, cansado da viagem, cavou em baixo do seu fogão e
achou então o seu tesouro enterrado. Construiu então uma bela casa de orações
com o nome: “O Shul do rabino Eisik”.
Ambos tiveram o mesmo sonho arquetípico, porém um só acreditou e partiu
para a sua realização. O presságio foi o mesmo, a diferença quem fez foi à fé.
O mesmo se dá quando um quadro de Odù se configura numa caída e um ebo é
estabelecido; precisamos agir sem demora, doravante.
Bem, voltando ao nosso Ìtán: Diz
o mito Yorubá, que Òlórun não estava satisfeito com tanta perfeição à sua
volta, tudo era eterno no seu mundo inconsciente e, com isso, a ociosidade era
reinante. Algo precisava ser feito urgentemente para reverter esse quadro. Foi
quando teve uma grande idéia, que seria sem dúvida alguma, o fim daquela
situação. Cogitou então, criar um mundo diferente do seu, mas, que fosse também
uma extensão deste. Seria habitado por seres mortais, passíveis de erros e com
níveis de discernimento diferentes. Iria criar um mundo consciente, manifesto e
cíclico, - algo bem dinâmico!
Convoca Òlórun, para esclarecer
detalhes e estabelecer critérios, os Òrìsà e Èbora no seu projeto, pois, cada
um deles possuía uma característica sua, assim como, um atributo e um princípio
seu.
Segundo o conto mítico, Òlórun escolheu então Obàtálà, seu filho mais velho,
que significa: “o rei da pureza ética”, que reunia seu princípio
ativo-masculino e criativo, assim como, o princípio passivo-feminino Odùdúwà,
sua contraparte e “irmão”. Possuía, ele, Obàtálà, uma natureza andrógina por
excelência, pois continha essa “fusão” do estado primordial. Reservou-lhe então
Òlórun, por suas qualidades intrínsecas, a grande missão de criar um mundo
manifesto e consciente, assim como, comandar todos os outros Òrìsà nesta importante empreitada.
Observem que doravante nem sempre tudo caminhará às mil maravilhas, é
compreensível; especialmente, se nós considerarmos a ancestralidade dos
responsáveis por essa missão e, que os problemas que fundamentaram essa Criação
já estavam nos planos de Òlórun: a idéia
de “livre arbítrio” e “estágios de evolução espiritual”.
Os Òrìsà possuem uma hierarquia maior que os Èbora, por serem
princípios comuns a toda existência, o princípio criativo-masculino e, o
princípio receptivo-feminino que, em maior ou menor grau, estão presentes em
toda manifestação. São denominados “Òrìsà funfum”, por serem ligados ao branco
e, nossos “pais celestiais”, pois personificam o estado original: masculino e
feminino, no âmbito celeste, ou seja, no mundo das idéias e sentimentos; são,
pois, a expressão de dois princípios primordiais, que se tornam unos quando
justapostos.
Devo esclarecer que aqui, a justaposição, tem a ver com integralidade e
totalidade, não com perfeição conceitual. Já os Èbora são os atributos presentes
em toda manifestação, envolvendo assim, a qualidade da energia, a personalidade
e o tipo físico. São os nossos “pais terrenos”. Ficando entendido, serem ambos
considerados os nossos “genitores míticos”e terrenos.
Obàtálà, o mais velho, reunia em si todos os princípios necessários à
missão de criar um mundo dinâmico chamado Aiyé e habitá-lo. Tinha ele a
capacidade de “tornar visível” o conteúdo do mundo interior, dando-lhe forma, plasmando-o.
Além de possuir os princípios masculino-criativo e feminino-receptivo, possuía
também o Iwà, princípio de existência genérica, o Àse, princípio de realização,
e o Àbá, princípio que induz um sentido, um objetivo e uma direção. Ele,
Obàtálà, é a qualidade da configuração energética que antecede o contexto
dinâmico de cada situação. O contexto dinâmico provém de Èsù, e sua
configuração e manifestação, de Odùdúwà.
Um, idealiza, o outro germina e, o outro cria.
Faltava a ele, entretanto, para
concretizar a sua importante missão, considerar o princípio mais importante
para que a Criação pudesse se tornar possível: Èsù Latopá, - o elemento catalisador,
que mobiliza, desenvolve, transforma,
comunica, faz crescer e coloca todos os outros princípios manifestos em ação;
sendo gerador de Èsù Sigidi, Èsù Baràbó e Èsù Yangi - protomatéria do Universo,
responsável por todos os outros Èsù provenientes do “Big-Bang”. Por estar
correlacionados, virem de uma mesma origem, e, a partir da explosão, separados;
continuam co-relacionados entre si nas “nove moradas,” - como princípio
dinâmico do Universo.
Òlórun, seu pai, reúne-os, e passa para ele Obàtálà, o àpò-Ìwà, “saco
da existência”, que continha o material mítico e simbólico, necessário para a
criação do Àiyé, a Terra e, dos Àra-aiyé; ou seja: de seus habitantes.
Nas suas precisas instruções, observou ao seu filho Obàtálà, serem
necessários certos preceitos para a realização da grande missão; sendo o
primeiro deles, a proibição de beber da seiva da palmeira do dendezeiro
Iguí-òpe, chamado “vinho de palma”, que é o elemento-atributo e genitor da
própria constituição de Obàtálà, que representa o “sangue branco” vegetal.
Veremos mais tarde, o porquê dessa proibição e suas conseqüências,
quando não observada com a devida consideração. A segunda instrução é Obàtálà
buscar os fundamentos necessários à Criação com Òrúnmìlá, o sacerdote, que detém
o princípio do conhecimento, pois ele representa a “Vontade do Pai”, revelada
através do sistema Ìfá.
Logo após as recomendações do
seu Pai, Obàtálà foi à procura de Òrúnmìlà Bàbá Ifá para saber os desígnios da
sua missão, mas, ao passar por Odùdúwà, seu “irmão”, não lhe deu a menor atenção,
ignorando-o. Ele sentindo a sua indiferença, avisou a Obàtalà que só o
acompanharia após ele realizar suas obrigações rituais a Èsù, conforme o que o
oráculo Ifá estabelecesse.
Aqui, Obàtálà ao tomar consciência de sua importância e da sua
importante missão, torna-se soberbo e vaidoso. Sua avaliação agora é apenas
intelectual, desconsiderando a sua contraparte feminina, sentimental e emocional em Odùdúwà.
Precisamos saber que, em Obàtálà, sua contraparte, - sua alma, precisa
de um momento de consideração, reconhecimento, recolhimento e avaliação
interna, isto é, contatando-se internamente, verificando os seus verdadeiros
desejos, e sentimentos. Ou seja, Obàtálà precisava naquele momento considerar e
resgatar a sua polaridade feminina, tão importante para que a sua missão desse
certo. Assim, perderia a angústia de estar separado de si mesmo, tornando-se
assim, silencioso, meditativo, consciente do seu rico interior e aberto à vida.
Obàtálà é inteiramente Criativo, enquanto o rumo do destino natural se
encaminha para sua meia-noite, as suas forças ativas e criativas insistem em
permanecer despertas, entretanto. A luta com Odùdúwà representa o destino de mutações inevitáveis,
e, o consciente do ego de Obàtálà tende a permanecer “vivo e definido” apesar
das circunstâncias...
Depois de muito tempo destinado
aos preparativos da consulta ao oráculo Ifá, Òrúnmìlá abre a “mesa de jogo” com
o signo Odù-Ifá responsável pela qualidade-momento daquela missão, - Éjì Ogbè,
o Odù da vida, que simboliza o princípio masculino, rege o sol, o dia e a
abóbada celeste. Foi aquele que recebeu a incumbência de administrar uma parte
do Universo, o Oriente. É responsável pelo movimento de rotação da Terra. Ele
controla os rios, as chuvas e os mares, a cabeça humana e as dos animais, o
pássaro Iekèleké consagrado a Òsàlá, o
elefante, o cão, a árvore Irôko e as montanhas. A Terra e o Mar pertencem a
este signo; assim como todas as coisas brancas pertencem a ele. Rege o sistema
respiratório e tem também, sob suas ordens, a coluna vertebral, todos os vasos
sangüineos, apezar do sangue pertencer a Osá Mejì.
Para que tudo desse certo, segundo o oráculo Ifá, Obàtálà deveria fazer
um sacrifício-oferenda a Èsù Elègbára, o
princípio dinâmico que faltava e que era necessário à missão da Gênese.
Tudo parecia favorável, caso o consulente Obàtálà tivesse considerado a
recomendação do sacerdote, fazendo a oferenda recomendada a Èsù Elègbára,
“Senhor do Poder do Corpo”, filho de Òrúnmìlà e Yebìru e, companheiro
inseparável de Ògún.
Ao ouvir a recomendação do seu sacerdote, Obàtálà ficou indignado! Ter
que fazer oferendas sagradas para Èsù era para ele uma humilhação. Não via a
menor necessidade de fazer os sacrifícios propiciatórios recomendados para que
a sua missão tivesse êxito. Era como se tivesse que renunciar aos seus poderes
e direitos, e agora, tivesse de reconhecer os dele.
Ora, Èsù é o princípio da
existência diferenciada, em conseqüência de sua função de elemento dinâmico e catalisador,
que o leva a propulsionar, desenvolver, mobilizar, crescer, transformar e
comunicar; tudo o que era necessário à Criação de um mundo manifesto e cíclico,
segundo a “Vontade de Òlórun”.
De acordo com o mito, Òrúnmìlà ou Adjàgunalé, seu conselheiro, o
advertiu dizendo que o oráculo não se equivocava e, que cabia agora a
ele, Obàtálà, cumprir o veredicto, ou manter a postura precipitada que tinha
tomado, arcando naturalmente com as conseqüências...
Ora, sabemos que o ritual é
nosso instrumento para fazer uma síntese das polaridades da realidade humana. É
a arte que consegue unir nossas duas metades. O espiritual precisa ser unido à
nossa natureza terrena mítica e ancestral. O espírito masculino que está tão
abstraído na teoria precisa ser ancorado na feminina alma terrena, para poder
se manifestar e tornar sagrado o que é sagrado.
Quem poderia imaginar que Obàtálà fosse ficar “inflado” e “cheio de
si”, a ponto de não considerar a sua alma mítica, contraparte Odùduwà, e, ao
não querer fazer as oferendas propiciatórias e sagradas a Èsù?
Sabemos agora, de antemão, que
Obàtálà criou dois problemas antes de partir: primeiro o de não ter levado em
consideração a sua alma feminina, sua contraparte, a participar da sua missão
numa posição de destaque, considerando-a sagrada e especial, para fazer
germinar o seu poder criativo masculino. Como conseqüência, foi seduzido pela
carência dela, pois ficou mal-humorado, sentindo-se desprestigiado ao ter que considerar
Èsù. Em segundo lugar, isolou o ego em relação ao inconsciente ao não
considerá-lo, pois, em cada ser, masculino ou feminino, este princípio dinâmico
está presente, e sua função é de atuar como um “psicopompo”, - aquele que guia
o ego ao mundo interior, e que serve de mensageiro e mediador entre o
inconsciente e o ego.
Esse isolamento do inconsciente é sinônimo do isolamento da sua alma
“irmã” Odùdúwà, da vida do espírito. Deveria saber, que qualquer elemento seu
interior, deve ser reconhecido, honrado e vivenciado em um nível apropriado.
Sentia-se supervalorizado com a escolha feita por seu Pai entre os demais, o
que já é uma “possessão” psicológica perigosa.
Quando agimos com um único lado
da nossa polaridade, enveredamos pelo caminho errado. Para gerarmos um ato
criativo psicologicamente saudável e produtivo temos que solicitar a aprovação
dos opostos. A cabeça precisa do consentimento do coração, o ego do Self, o
espiritual do físico, a anima do animus. Atos desequilibrados trazem sempre
desastre em seu rastro, como conseqüência.
Temos sempre que enfrentar problemas como este, focalizando a nossa
energia psicológica através de um ritual, um trabalho interior ritualizado.
Como não conhecemos o problema, ainda conscientemente, precisamos
personificá-lo no símbolo materialmente, trazendo à mente as imagens e conversando
com elas com seriedade.
Personificar o problema é, através do ritual da consulta ao oráculo,
procurar no Odù com o seu signo, o ìtan, e, o seu caminho - esè, que vai
representá-lo no símbolo; procurando saber quem são, e o que querem, deixando
fluir os sentimentos ao conversar com essas personalidades interiores. Depois,
faça o ritual de oferenda: Ofereça um sacrifício à causa do problema, à
pretensão, à depressão, ou a qualquer ideal.
Isso, ritualmente, é o que Obàtálà deveria ter feito: “Despachar Èsù”. Isto é, dar atendimento prioritário e
consciente ao ideal imaginado e desejado, através de um ritual físico e
propiciatório, representado fisicamente no símbolo.
Em Josué 6, um texto bíblico do Antigo Testamento, esta experiência
está explicita, quando Jhavé orienta ao fiel Josué a fazer um ritual
sistemático, durante sete dias, para que as muralhas de Jericó viessem a ruir e,
ela ser tomada de assalto. Só, que dentro dessa muralha havia uma prostituta de
nome Raabe que não poderia ser morta, pois ajudara aos mensageiros de Josué.
Como podemos ver, Deus nos recomenda dar voltas em torno do problema, consultar nossas personalidades interiores pedindo sua ajuda, sem preconceitos morais, até aparecer uma solução, ao invés de ficarmos dando voltas em torno de Deus porque temos um problema...
Como podemos ver, Deus nos recomenda dar voltas em torno do problema, consultar nossas personalidades interiores pedindo sua ajuda, sem preconceitos morais, até aparecer uma solução, ao invés de ficarmos dando voltas em torno de Deus porque temos um problema...
Obàtálà é “o hermafrodita dos
tempos imemoriais”. Podemos assim definir esse ser a partir da criação dos
seres. Como um símbolo da energia psíquico-primitiva e indiferenciada, tão logo
essa energia assume uma identidade egótica e começa a criar o seu próprio
mundo.
O ego vem do seu “background” psíquico anterior mais amplo, sua alma,
manifesta em Odùdúwà, princípio
feminino, mas, logo se volta contra o seu “irmão” e, arrogantemente, declara a
sua independência em relação ao mistério inconsciente do qual ele surgiu. É agora um “ego alienado”, definido pelo seu
próprio sentido de identidade. Essa entidade psíquica afasta-se da sabedoria de
Odùdúwà, que representa a sua alma feminina contida no inconsciente, e, se
declara criador e regente por direito, de forma unilateral. Ele é o seu pólo
oposto, um princípio receptivo, é a disposição de se deixar conduzir, de esperar
o momento certo, a forma adequada para poder reagir ao impulso do seu “irmão”
Obàtálà. Com ele, as coisas possuem uma forma e um espaço para acontecerem.
Ele é a voz interior de Obàtálà
que dá a forma digna de confiança: quando, onde, e como ele deve agir. Ele não
separa nem avalia, que nem seu “irmão” Obàtálà, porém sabe que só com a união
dos dois, resulta no todo, que é a “Vontade do Pai” revelada.
Sabemos, entretanto, que Obàtálà
não teve a menor consideração com esse importantíssimo detalhe...
Um psicólogo junguiano chamado
Edward Edinger descreve assim esse fenômeno: “Todo tipo de motivação, de poder,
é sintoma de inflação. Sempre que alguém age movido pelo poder, a onipotência
está implícita; mas a onipotência é um atributo apenas de Deus”. A rigidez
intelectual que tenta equacionar sua própria verdade ou opinião com a verdade
universal, também é inflação. É a presunção de onisciência... “Todo desejo que
dê à sua própria satisfação, um valor central que transcende os limites da
realidade do ego e, em conseqüência, assume os atributos dos poderes transpessoais”.
Obàtálà não desejava partilhar
com ninguém esse direito e essa escolha, reduzindo-se ao não se integrar à sua
contraparte Odùdúwá, através de Èsù. Com isso, perde a sua unidade original
encontrando em si só unilateralidade, em vez de clareza. Sem saber, mata a sua última oportunidade de
realização; pois ao lutar contra Èsù, que aqui representa o seu instinto de
preservação e mobilização acaba transportando uma quantidade maior dessa
energia para si próprio, como ego.
Deveria saber que esse ego tem que estar a serviço do seu Pai, seu Eu
Superior - Olódùmaré, e que não devia
reprimir Èsù, pois, assim ele se tornará agressivo e descontrolado, passando
agora a ser sua “sombra”, - por ser o lado negado e negligenciado.
Ao desconsiderar sua alma
Odùdúwà, Obàtálà usou apenas o intelecto, pois, pensou sobre a importância que
passara a ter, fez uma apreciação intelectual a respeito, não considerando a
falta de um sentido de julgamento, não sendo então conferido por ele Obàtálà,
um valor real. Com isso, não houve um
envolvimento total em si.
Sabe-se, que o ato de pensar é bem diferente do de sentir, que é dar
valor a um sentimento. Não soube manter um relacionamento satisfatório com sua
alma, Odùdúwà, com os seus sentimentos; tanto que, segundo o conto mítico,
Odùdúwà queixa-se com o seu pai Olódùmaré por não ter dado a ele uma participação
honrosa na presente missão. Acredito que
tenha sido proposital.
Caso Obàtálà tivesse feito a oferenda a Èsù, teria usado esse poder
masculino para abrir caminho no mundo adulto, tornando-se vitorioso, fazendo-o
forte o suficiente para não ser vencido pela
ira e pela arrogância. Agora, tudo o que Obàtálà deixou acontecer
interiormente, acontecerá exteriormente,
em contrapartida a essa sua atitude de carência e arrogância.
O que o mito nos mostra é que, tanto a genialidade quanto a
criatividade, são manifestações da sua alma, Odùdúwà, que lhe dá a capacidade
de “dar a luz”. A sua masculinidade permitir-lhe-á propiciar apenas a forma ao
que faz nascer de si, no mundo exterior e manifesto.
Obstinado, Obàtálà resolveu assim mesmo, preparar a comitiva de Òrìsà-funfum
para essa jornada; como se fosse um jovem que descobre e impõe a sua
masculinidade a qualquer preço.
Orùnmílà já sabia o que iria
acontecer, pois conhecia o poder do seu filho Èsù Elégbàra, assim como, sabia
que não podia intervir naquilo que Olódùmàré, seu pai, chamava de “livre
arbítrio” e “estágios de evolução”.
Segundo o nosso ìtàn, Obàtálà “salvou o jogo”, isto é: retribuiu com um
pagamento o que recebera como aviso e presságio para a realização da sua missão,
sem dar consideração alguma às recomendações recebidas, saindo imediatamente
para preparar e reunir a sua comitiva, pois tinha ele muitas tarefas para
cuidar...
O caminho, Òna-Òrún, era longo,
árido e desconhecido dele, como não podia deixar de ser, o sol era
inclemente... O Odù Éjì Ogbè tem o sol
como regente principal, logo, sabe-se o
que se podia esperar...
Os Òrìsà não estão acostumados ao sol e ao calor, e tinham no seu
comando, o teimoso Obàtálà, que os liderava com todo o afã. Todos, já não aguentavam
com tanto sol, calor e sede e, já pensavam em desistir em virtude de tanto
sofrimento e desconforto.
Èsù, enquanto isso, já tramava uma retaliação, pois o momento se
apresentava o mais propício possível para pôr em prática o plano que bolara com
Odùdúwà.
Pegou o seu cajado chamado ogo, que tinha o poder de bi-locação, e colocou-o a
girar acima da sua cabeça, com a finalidade de colocar-se à frente da comitiva
de Obàtálà. Isso foi logo realizado, para que no passo seguinte, fôsse criar
uma frondosa palmeira chamada Igí-òpe, uma qualidade de dendezeiro bem frondoso e
bonito.
A estratégia de Èsù era chamar a
atenção de Obàtálà de que havia um oásis, e, como consequência natural, a água
estaria presente para matar a sede dos Òrìsà-fumfum.
Dito e feito, logo Obàtálà o avistou
e, tratou de correr com o grupo naquela direção. Só que ao chegar ao local,
percebeu que estava enganado, pois não havia o menor indício de água naquele
lugar, tudo não passara de uma projeção sua, uma “miragem”, já que estava
obstinado e desesperado de sede.
Irado e frustrado, não pensou
duas vezes, cravou o seu cajado, opàòsùn, com toda a sua força no tronco da
palmeira, quando aí percebeu que logo correu um líquido incolor pelo furo que
fizera. Pegou a sua cabaça, e começou a aparar o precioso e oportuno líquido,
tratando de beber até aplacar a sua sede. Acabara de cometer o segundo
desatino, que tanto seu Pai recomendara evitar.
Sabe-se que esse líquido tem
grande poder alcoólico e efeito imediato. É uma bebida chamada emù, um vinho de
palma muito forte, que fora proibido por seu Pai de ser ingerido como
recomendação, antes de iniciar a jornada, pois representa um atributo da sua própria
constituição, ou seja, estava proibido de “beber de si”, ficar “ensimesmado”,
ou cheio de si.
Obàtálà estava agora
“embriagado” completamente e, impossibilitado de prosseguir viagem,
inviabilizando assim, a sua missão.
Tentou, mas foi logo vencido por aquela “embriaguês”, deitando-se em
total abandono e sono profundo. Todos,
no começo, tentaram em vão acordá-lo, mas a “carraspana” foi daquelas...
Logo, os seus seguidores começaram a regressar, deixando-o só e caído.
Ao seu lado, o precioso “saco da existência” jazia caído e abandonado.
Odùdúwà vendo àquela cena ridícula que ele e Èsù provocaram, aproveitou
para pegar o “saco da existência” e retornar ao Òrún. Estavam agora vingados da
desconsideração infligida por Obàtálà.
Note-se, que há muito que se
aprender com o Igí-òpe, “árvore do conhecimento”, símbolo da Gênese Nagô Yorubá:
Na busca de realização e,
vivenciando uma experiência nova, Obátálà prova algo da sua natureza ingênua no
seu íntimo, sendo seu processo de conscientização e, caminho de encontro
consigo mesmo, depois da sua “queda”. Ao ser, no entanto impossibilitado por
ele, cai embriagado; como conseqüência, - conscientizou-se.
Quebrou a unidade primordial da
sua inconsciência original. Como Adão, no Jardim do Éden, aprendeu a se ver como
unidade distinta dos demais, e do mundo à sua volta.
Agora, aprenderá a dividir o
mundo em categorias e a classificá-lo. Dessa forma, chegou a um sentido de si
próprio como indivíduo desgarrado do rebanho.
Mas, ao ter provado do emù, saciado
a sua sede e provado o seu sabor, jamais esquecerá essa experiência, que mais
tarde será a sua redenção; mas, que a princípio causou-lhe um impedimento e uma
humilhação. O primeiro lampejo ao acordar, será uma tomada de consciência sob
forma de “queda” e de perda. Mas, se assim não fosse, como conseguiria ter
consciência?
A viagem desse nosso herói é o padrão arquetípico de um proceder, que
foi tecido e engendrado com essas imagens primordiais e, que foi herdado por
nós.
Interessante é notar que Obàtálà
não começa como um ser dotado de toda a sabedoria, porém, ele amadurecerá e
tomará na sua volta uma postura simples e modesta, entretanto sábia. É o
processo de crescimento e conscientização.
A princípio é um tolo ingênuo,
que tenta o novo sem considerações, pois tem como objetivo a alegria de viver,
de juntar experiências... Com isso corre o risco de agregar mal entendidos por
sua insensatez...
Obàtálà terá agora que vivenciar um processo, - a evolução da inconsciência pura e ingênua, à
total consciência de si mesmo, - o “cair em si”.
Potencialmente tudo isso foi
necessário, segundo a “Vontade do Pai” Olódùmaré, para o desenvolvimento dos
três estágios psicológicos do homem que Obàtálà iria criar: agora, tinha de
passar da perfeição inconsciente que antes se encontrava, de “ovelha arrebanhada”, inocente e pura,
para a imperfeição consciente que agora se encontra.
Mais tarde, Obàtálà irá atingir
a perfeição consciente, indo ao encontro do seu Pai para servi-lo, resgatando
assim a sua unidade. “Eu e o Pai somos Um”!... Caminhou da plenitude da pureza
do mundo interior e exterior, ainda unidos, para um estágio em que se dá a
separação desses dois mundos, denotando aí a dualidade da vida; para depois,
encontrar-se e atingir a iluminação, que nada mais é, que uma síntese
harmoniosa do exterior com o interior. É o que os meus ilustres amigos cristãos
chamam de “caminho da consciência Crística” e, é o que os meus amados mestres
taoístas chamam de “caminho do Tao”.
Infelizmente a sociedade ocidental não entendeu a mensagem de Jesus,
pois alcançamos um ponto no qual
tentamos prosseguir sem o menor reconhecimento da vida interior, a nossa alma.
Há um exemplo Bíblico em que Pedro, juntamente com os outros discípulos, após a
ceia, reuniu-se com Jesus, pois o mestre pretendia orientá-los sobre a forma
como deveriam dar a “boa nova”. Dizia ele, que ao falarem aos outros, em seu
nome, deveriam ser “o menor de todos”, ou seja, - humildes! Pedro, de pronto
concordou com ele; porém, o mestre que conhecia a Pedro, apanhou uma vasilha,
colocou água e foi lavar os seus pés. Pedro ao ver aquela atitude de Jesus,
afastou com rapidez o pé para que o seu rabi não se humilhasse diante dele.
Jesus chamou sua atenção a respeito do que
acabara de orientá-lo, pois, apesar de concordar intelectualmente com o seu mestre,
não tinha na sua alma a mesma concordância. Tornara-se apenas conceitual a sua
apreciação...
Agimos como Obàtálà no início da sua jornada, como se não houvesse o
reino da alma, a sua “anima”, na “morada do Pai”, o inconsciente. Como se
pudéssemos viver vidas completas, fixando-nos totalmente no mundo exterior, conceitual,
material, intelectual e doutrinário apenas. Deveríamos discernir melhor quando Ele
nos diz: “meu reino não é desse mundo”. Acabaremos por descobrir que o mundo
interior é uma realidade e que teremos de enfrentá-lo, apesar de tardiamente,
no “final dos tempos”, ou quem sabe,
quando Ele voltar... Se é que prá alguns, já voltou!...
Não sabemos ainda o suficiente. O isolamento do inconsciente é sinônimo
do isolamento da alma e morada do
espírito.
A perda da nossa verdadeira vida
religiosa é resultado dessa separação. Com isso, o mundo, que aí está é o
testemunho visível das neuroses e dos conflitos interiores que não pode ser
harmonizado apenas com o intelecto.
Aqui estamos testemunhando através da mitologia Yorubá, o primeiro
desenvolvimento desse estágio, o primeiro passo do ser ao sair do “Éden
espiritual” e entrar no mundo da dualidade.
Obàtálà, aqui começa a ser agora
alguém por si próprio ao ter que assumir essa conscientização, terá agora que
superar a sua queda, sofrimento e alienação. Observe que aqui, antes da fundação
do mundo, houve um sacrifício, e que Obàtálà foi a “oferenda de sacrifício”
para que o processo da Criação pudesse vir a se estabelecer.
O processo aqui não se
completou, está longe de ser completado; seu relacionamento com o grupo, agora
está destruído e ele ainda não se tornou um indivíduo para que possa
relacionar-se bem com a vida. Sente-se só, culpado e alienado a princípio, e é essa alienação que exprime bem essa
situação. Ele não considerou as advertências do oráculo Ifá, através de
Òrúnmìlà, sacerdote de Olòdùmaré.
Obàtálà usou sua contra parte, Odùduwà, sua “Anima”, na forma de “maus
humores,” queixosa, vaidosa e orgulhosa. Enfrentou também Èsù, de forma
sombria, agressiva e arrogante, que para ser dominado, precisa primeiro ser
reconhecido e considerado e, aí sim, controlado. Foi derrotado por Èsù,
psicologicamente no seu interior.
Agora, ao acordar com o seu ego
prostrado, descobrirá que foi vencido por Èsù e Odùdúwà para a sua surpresa...
Não devia tê-los reprimido e desconsiderado. Já que o “leite foi derramado”,
agora não adianta queixar-se; terá agora que tornar o seu ego forte o bastante para
não ser vencido pela ira, arrogância e mau humor.
Os mestres taoístas chineses
recomendam-nos que, ao invés de tentar matar essa virtude energética,
deveríamos acrescentá-la ao ego de forma criativa, para a realização dos nossos
objetivos. Interessante é que a religião Yorubá também adota, de forma
simbólica, esse mesmo princípio, ao “despachar Èsù”, em primeiro lugar, dando adimù
aos nossos ideais.
Com o “saco da existência” às
costas, Odùdúwà sabe que parte da sua trama com Èsù tinha se concretizado;
afinal, algo precisava ser feito para equilibrar o “inflado” ego de Obàtálà.
Tinha como desculpa, a
negligência e a desconsideração às determinações dadas por Òrúnmìlà, através do
sistema Ifá. A lei precisava se cumprir
e ele Odùdúwà, dela fazia parte.
Olódùmaré, então parte para a segunda fase da sua idéia: chama Odùdúwà,
para que dê prosseguimento à missão que dera a Obàtálà, e, manda reunir o seu
grupo, que era composto de Èbora, o mais rápido possível.
Odùdúwà pede permissão para consultar Ifá antes de partir com o grupo,
pois ele precisava saber qual a égide do Odù-Ifá, responsável pela sua missão.
Òrúnmìlà, - Elérìí ìpìn – testemunha dos destinos, fez os orôs de
abertura e joga o opelê sobre a esteira, – Oyèku Méjì! Odù-Ìfá ligado à Morte, à noite, e ao ponto
cardeal oeste, o poente. É a contraparte complementar do primeiro signo Odù-Ifá,
Éjì-Ogbè. É o ocidente, a morte, o fim de um ciclo, o esgotamento de todas as
possibilidades.
Já que as trevas existiam antes que fosse criada a luz, é considerado
mais velho que Éjì-Ogbè, perdendo, porém o lugar para este, passando então a
ser sua complementação. Oyèku Méjì introduziu a morte, dependendo dele o
chamamento das almas. É quem comanda e participa dos rituais fúnebres. É quem
comanda a abóbada celeste durante a noite e o crepúsculo. Tem uma influência
direta sobre a agricultura e a terra em oposição a Éjì-Ogbè, que comanda o céu.
Òrúnmìlà joga ainda duas vezes
mais e alegremente revela a Odùdúwà que o caminho que o Odù o conduz, é o mesmo
de Ikù, o Òrìsà da Morte, ou seja, ele
iria criar um mundo material, perecível e cíclico. Aonde, tudo o que vier a
existir terá corpos materiais, com maior ou menor densidade, porém feitos da
mesma essência. A Ìkù caberá o rito de passagem, de devolver a terra os corpos
antes animados pelo Espírito do Pai, o Ipòrí.
Recomendou ainda, que ele vestisse roupas negras, em consideração a Ìkù
e ao Àiyé, o mundo manifesto que ele iria criar. Deu conhecimento a Odùdúwà para que sua
missão chegasse a um bom termo, deveria ele dar uma oferenda a Èsù Elégbára.
Depois de prescrito o ébò, Odùdúwà
saudou o sacerdote Òrúnmìlà, e “salvou” a previsão do oráculo com 16 bùzios,
como pagamento.
Quero aqui esclarecer, que Odùdúwà ao ouvir as considerações do oráculo
Ifá, não acredita literalmente nos textos, porém, sente o verdadeiro sentido
por traz de tudo o que é dito. Em outro
livro famoso a história se repete:
Assim como Maria, mãe de Jesus, que ao avisar ao filho que o vinho acabara, ouve o seu amado filho dizer: “Mulher, que tenho eu contigo?
Ainda não chegou minha hora”. Sua mãe, porém diz aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Ela é a fonte da inspiração profunda, que brota mais viva, quando decresce a consciência cheia de critérios, por isso, não considera e nem dá ouvidos ao seu conceito racionalista naquele momento. Quem sabe como ela no íntimo, - “faz a hora...”
Assim como Maria, mãe de Jesus, que ao avisar ao filho que o vinho acabara, ouve o seu amado filho dizer: “Mulher, que tenho eu contigo?
Ainda não chegou minha hora”. Sua mãe, porém diz aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Ela é a fonte da inspiração profunda, que brota mais viva, quando decresce a consciência cheia de critérios, por isso, não considera e nem dá ouvidos ao seu conceito racionalista naquele momento. Quem sabe como ela no íntimo, - “faz a hora...”
O que se seguiu, nós já
sabemos... O primeiro milagre realizou-se. Ele, não interferiu, cumprindo assim
o seu destino, escolhido por seu Pai, realizado de início com a ajuda de sua
mãe. Assim, concluo que não é possível libertar-se do destino através das
energias do destino.
Sob as bênçãos de Òlórun, Odùdúwà chama Èsù para partilhar de
tudo, juntamente com Ógun, conhecedor
dos caminhos, o grande Asiwajù e Olùlonà “aquele que está na vanguarda e aquele que
desbrava o caminho”. Sabia ela, que sem eles nada se consegue levar a cabo...
Segundo o mito, os Òrìsà e os Èbora ficaram escandalizados quando viram
Odùdúwà vestido de preto, com vestes masculinas, chegar ao pátio para
conduzi-los nessa grande missão.
Quanta simbologia interessante a
ser observada! A Criação começa no símbolo do renascimento, pois houve
sacrifícios de “morte” antes...
Os primeiros passos no caminho
de crescimento, porém evocam fortes resistências do ego tirânico.
O desenvolvimento espiritual nunca ocorre sem uma luta gerada pela
arrogância e desejo de poder do ego. Assim, quando Èsù, enviado por Odùduwà,
esconde-se primeiro em Obàtalà, finalmente se separa dele e torna-se exterior,
em forma de uma palmeira, que o representa.
É agora sua projeção egótica. Odùduwà, como uma “punção interior”, permanece
como instrutora e inspiração em Obàtálà...
Uma analogia psicológica aparece
na importância do valor da alma, não
apenas, enquanto reconhecida dentro da psiquê masculina de Obàtálà, mas também,
quando projetada e aparecendo sobreposta em algo material, como a árvore
Ìguí-òpe. Ela não é física, é um ser
etéreo e, ainda assim, suas pegadas poderão ser vistas, tanto na “queda” de
Obàtálà, quanto na concepção do mundo manifesto, o Àiyé. Ela tem substância, é o poder que dá ao mundo
sagrado à matéria do símbolo. Ela tira o sagrado do nível da teoria, do
abstrato e da figura de retórica. Ela o torna acessível no aqui-e-agora para
ser tocado, sentido e vivenciado.
O mundo de Obàtálà só se fará
instantâneo e palpável através da experiência simbólica e sagrada, que antes
ele rejeitara.
Algo é feito sagrado, não apenas porque o é em si mesmo, mas, também
pela nossa atitude com relação a ele. Ao reconhecê-lo e tratá-lo como tal,
incorporamos seu poder genitor e criativo.
Esse Ìtàn maravilhoso nos mostra
que a evolução do cosmo é feita de parceria entre Obàtálà e Odùdúwà, entre Deus
e a humanidade, entre o espírito e a alma; o sagrado sempre está presente, o
mais próximo possível, mas ele só tem o poder de dar significado e valor a
nossa vida, quando nos inclinamos humildemente com reverência e respeito.
O mistério revelado é a nossa consciência, o nosso ato de
reconhecimento; pois, ele tem o poder de fazer com que as coisas sejam o que
são e, de tornar sagrado o que é sagrado.
A maioria das pessoas no mundo
ocidental moderno aprendeu desde criança que nada é sagrado, nada merece ser
reverenciado, que tudo pode ser reduzido à posse física, sexual,
intelectualizada e conceitual. Resta-me perguntar à essas pessoas: Como é
possível construir a imortalidade da alma através das referências de um corpo
mortal?
Os pensamentos de Obàtálà foram considerados “pecados” pelo pai Òlórun,
porque ele foi posto frente a frente com o que é espiritual, sagrado, transpessoal,
e, tentou tratá-lo como se fosse algo conceitual, racional, físico e pessoal.
Tentou reduzir Odùdúwà e Èsù a um acessório para o mundo do seu ego “inflado”.
Agora ele irá gastar tempo e energia aprendendo a vivenciar suas “personalidades
interiores”, que se manifestam por rituais simbólicos, como realidades
interiores dele mesmo.
Vejamos agora, Obàtálà com o seu
lado masculino e criativo, perde a oportunidade de começar o processo da
Criação, cedendo o lugar ao princípio feminino e irmão, Odùdúwà.
O signo Odù-Ifà, Éjì-Ogbè,
símbolo da vida, dá lugar a Oyèkù-Méjì,
símbolo da morte, para que a Criação possa ter início. É a transformação do ego, que ao penetrar no
reino do inconsciente, encontra-se com a alma e se integra a ela, desistindo do
seu minúsculo domínio, para viver na vastidão de um império muito maior. E a
“morte” do ego.
Observe, que desde os tempos
primordiais, a morte foi concebida como um “visto de saída” da dimensão limitada
do tempo e espaço, para um universo ilimitado e imensurável do espírito na
eternidade. Esta “liberação” do físico é para o inconsciente um símbolo mais
sutil: a liberação do ego dos limites do seu mundo pequeno e dos seus pontos de
vista mesquinhos, para um universo interior livre e ilimitado.
Sem as visões restritas do ego,
que a associa com o fim, a morte é um símbolo de transformações.
A Morte aqui simboliza um
limiar. Ela representa mudança profunda, graças ao fato da consciência não mais
ser dominada por um ego carente e sedento de poder.
O eu agora se torna humilde e entrega a direção a uma instância
superior, “o Si mesmo” – Olódùmaré.
A única e verdadeira solução quem dá é Olódùmaré, com uma mudança de
consciência e valores, - com a “morte do ego”, ou seja, com o sacrifício de
Obàtálà, do seu velho ponto de vista, e, suas velhas atitudes enraizadas. Para
nos libertar das energias kármicas da prisão do destino, não podemos ter uma
consciência apoiada nas energias das polaridades, pois, todas essas referências
são apoiadas sobre o corpo mortal e impermanente.
Naturalmente o verdadeiro
potencial criativo está na profundidade, no reino interior; naquele que Obàtálà
não olhou antes e nem considerou. O que se encontra na superfície já foi
assimilado pelo ego, agora, somente os conhecimentos intuitivos do reino
inconsciente, evitado até o momento, romperão as estruturas existentes e
possibilitarão novas perspectivas, novas esperanças e novos horizontes. Dentro
da filosofia mística chinesa Taoísta: “O Tudo é Um, e o Zero é a mãe do Um. O
grande desafio é transformar o Um em Zero; para isso, é necessário que se
mergulhe no imenso mar do Absoluto, quando o Um deixará de ser ele próprio e passará a ser o Zero que
abraça o Um.”
“O Zero é o Absoluto; o Vazio é a mãe da Onipotência. Antes de tudo, o
Zero já estava presente; depois de tudo, o Zero continuará presente.”
“O Um é a Onipotência, o pai de todas as coisas. Na existência humana,
muitos buscam o encontro com esse pai do poder. Durante a existência de todas
as coisas, o Zero e o Um coexistem não se chocando, mas se completando”. Que analogia
interessante! Observe que semelhança entre Obàtálà e Odùdúwà, onde o elemento
masculino e criativo precisa mergulhar no elemento feminino e receptivo para
poder gerar a transformação síntese exigida, - o elemento procriado, - o Àiyé e
os ara-àiyé.
Por fim, Odùdúwà, Òrìsà funfum
do branco, e, princípio feminino, tem que se vestir de homem e de preto para
poder chefiar os Èbora, que passam agora à frente dos Òrìsà no processo da
Criação.
O princípio feminino e receptivo Odùdúwà traz o sublime sucesso,
propiciado através da perseverança devocional. Se ele empreender algo e tentar
dirigir, se desviará; porém, se ele seguir o criativo Obàtálà, encontrará
orientação.
O branco agora está oculto no
interior, representando o espírito imortal e genitor espiritual, o preto,
representando a natureza manifesta no exterior, mortal e cíclica. A roupa masculina
representa exteriormente Odùdúwà, o ser masculino manifesto, o agente
imprescindível à Criação.
A viagem do autoconhecimento não
foi interrompida, apenas tomou uma direção diferente, o aprendizado agora será
feito através das experiências vivenciadas no mundo manifesto. Interessante essa mudança, pois, agora o
caminho para a “Iluminação” não é mais pelas “nuvens”, pelas idéias ou ideais.
Agora, terá que estar expresso na realidade simbólica da “encarnação”, através
da consciência. E, essa “encarnação” nos fala do paradoxo de duas naturezas:
divina e terrena.
Outro símbolo de renascimento aparece, quando Obàtálà fura a árvore Ìgí-òpe
com o seu cajado, o òpáòsùn, uma vara
lisa, com apenas uns sininhos na sua extremidade, que representa os mundos
ainda unidos, e que se transforma agora em outro símbolo mais complexo, o òpà-sóró - cajado que é a representação
simbólica de diferenciação entre o Òrún e o Àiyé e, que estabelece os diferentes níveis de
evolução entre estes dois mundos de existência.
A sua extremidade agora é representada por um pombo branco, - Obàtálà, elemento Criador, símbolo da manifestação do Espírito, que possui agora mais “três pratos” metálicos abaixo, espaçados entre si, que representam outros mundos habitados, com graus de densidade material e de evolução diferentes, “a casa do Pai tem muitas moradas...”. Representa também, morte e renascimento real, ritualístico e simbólico. A Terra, onde o cajado se apóia, é o quinto “prato”, tendo ainda, mais quatro abaixo dela, - Òrún ìnsalè mérèèrin, com níveis ínferos de espiritualidade, onde habitam as Ìyá-mì e os Aparáokà. Totalizam-se assim nove Òrún, Òrún méèèsán, ou seja, nove “moradas”.
A sua extremidade agora é representada por um pombo branco, - Obàtálà, elemento Criador, símbolo da manifestação do Espírito, que possui agora mais “três pratos” metálicos abaixo, espaçados entre si, que representam outros mundos habitados, com graus de densidade material e de evolução diferentes, “a casa do Pai tem muitas moradas...”. Representa também, morte e renascimento real, ritualístico e simbólico. A Terra, onde o cajado se apóia, é o quinto “prato”, tendo ainda, mais quatro abaixo dela, - Òrún ìnsalè mérèèrin, com níveis ínferos de espiritualidade, onde habitam as Ìyá-mì e os Aparáokà. Totalizam-se assim nove Òrún, Òrún méèèsán, ou seja, nove “moradas”.
Para nós ocidentais, o grande símbolo dessas duas naturezas em
integração, é Jesus, o Cristo, pois nela é dito que Deus veio habitar o mundo
físico e o redimiu, tornando-se humano.
Simbolicamente, representam que este mundo físico, este corpo físico e
esta vida mundana que levamos na terra, também são sagrados. Significa que os
demais seres humanos têm o seu próprio valor intrínseco: eles não estão aqui
meramente para que possamos perceber refletida neles a nossa fantasia de um mundo
mais perfeito, transportando assim as nossas projeções de alma.
Os mundos físicos, mundanos e
comuns têm sua própria beleza, sua validade própria e suas leis para serem
observadas. É o “daí a Cezar o que é de Cezar, e a Deus o que é de Deus”.
Acho uma “inflação” descomunal
do ego humano, julgar a criação material de Deus, como sendo algo “caído” que
possa ser “melhorado” a partir de nós mesmos.
Agora, que a alma de Obàtálà está
oportunamente reconsiderada, significa a personificação do seu mundo interior, portanto,
tenho certeza que ela nos levará a uma jornada por esse mundo, pois é ela que
expressa o reino mítico e terreno.
Observem que os animais
sacrificados a Obàtálà são sempre do sexo feminino, e que a galinha d’angola é a representação
síntese de Obàtálà e Odùdúwà, pois possui o branco e o preto em suas penas e,
participou efetivamente da criação do Àiyé.
Os elementos signos-símbolo de oferenda estabelecida pelo oráculo a Èsù
foram: cinco galinhas d’angola, com cinco dedos em cada pata, cinco pombos, um
camaleão e uma corrente de 2.000 elos para Èsù, além de 200 caracóis igbim, que
contêm “sangue branco”, a “água que apazigua” - omì-èrò, que seriam
sacrificados aos pés de Olódùmaré.
Segundo o relato mítico, Odùdúwà fez as oferendas a Èsù, que então lhe devolveu
uma galinha, uma pomba e o camaleão, retirando apenas um elo da corrente para
usá-la como adorno. Recomendou então Èsù, que Odùdúwà soltasse os bichos na
metade do caminho e, a levar consigo a corrente, pois todos seriam muito úteis
na missão.
Odùdúwà toma um banho de amací,
ervas frescas, e vai ao encontro do seu pai Òlórun, levando os 200 caracóis
igbin para serem sacrificados por determinação do Sistema Ifá, - oráculo de Òrúnmìlà.
Feita a recomendação, seu pai Òlórun lhe devolve um igbin, abrindo o
Àpére-odù, almofada na qual se sentava e coloca o restante dentro. Neste exato
momento, descobre que havia uma pequena cabaça que continha o elemento terra,
que estava faltando no “saco da existência”, - o àpò-Ìwà; entregando-o então a
Odùdúwà, para que ele pudesse agora concretizar o projeto de seu Pai.
Interessante notar que, no relato acima, Èsù, ao receber uma oferenda,
restitui de tudo o que “comeu” para restabelecer a harmonia fecundante, fator
de expansão, crescimento e transmissão do agbára -, força que se propaga de
forma inesgotável, tendo como signo-símbolo o àdó-ìran, uma cabaça de pescoço
bem longo. Este poder foi delegado a Èsù Elégbàra por seu pai Olódùmaré.
Essa é uma etapa importante, porque ajuda a integrar a experiência de Òlórun
no inconsciente, na vida consciente e desperta de Obàtálá, através da sua alma
“irmã” Odùdúwà. Foi chegada a hora de fazer alguma coisa física, – um ritual
que traga para a realidade do cotidiano de forma poderosa, o significado da
“Vontade do Pai”, que vive no inconsciente.
O ritual é uma representação
física do princípio dinâmico - Èsù, da mudança de atitude interior, que o inconsciente
está solicitando. Este é o nível de mudança que está sendo requisitado por Olódùmarè.
Èsù aconselha também Odùdúwà a não falar a ninguém sobre o desejo de seu pai Òlórun,
e, sobre o ritual prescrito, ou seja, não é uma boa idéia revelarmos o nosso
inconsciente e o ritual, pois o falar tende a pôr toda experiência por “água
abaixo”, em um nível abstrato.
Você acaba estragando tudo, pelo
desejo de se apresentar sob melhor ângulo, em vez de uma experiência vivida e
íntima, termina-se em um bate-papo amorfo e coletivo. Toda versão com intensão
foge à verdade...
O ritual tira o entendimento do nível puramente abstrato do
inconsciente e lhe confere uma realidade imediata e concreta, é uma forma de
colocar o inconsciente e seus conteúdos, no aqui e agora da vida física, - no
símbolo.
São atos simbólicos que estabelecem uma conexão entre o consciente e o inconsciente e, ele nos fornecerá um meio de tirar os princípios do inconsciente e os imprimir à luz, na mente consciente. O princípio dinâmico Èsù é o veículo e mensageiro entre esses dois níveis.
São atos simbólicos que estabelecem uma conexão entre o consciente e o inconsciente e, ele nos fornecerá um meio de tirar os princípios do inconsciente e os imprimir à luz, na mente consciente. O princípio dinâmico Èsù é o veículo e mensageiro entre esses dois níveis.
Deveríamos sobrepujar os preconceitos culturais para melhor nos
aproximarmos do inconsciente - Olódùmarè e respeitarmos os rituais, nos
desligando de certos preconceitos arraigados e racionalistas.
Acreditam algumas pessoas que os
rituais nada mais são que remanescentes de um passado supersticioso, ou de
crenças religiosas “profanas” ou fora de moda. Com isso, ficamos empobrecidos
ao abandonarmos aquilo que nossos ancestrais tinham como parte natural de sua vida
espiritual cotidiana.
O psicólogo junguiano Robert A. Johnson assim diz: “Nossa ânsia
instintiva para o ritual expressivo permanece nos dias de hoje, mesmo tendo
perdido o senso do seu papel psicológico e espiritual em nossa vida”.
Odùdúwà, então reuniu o grupo de Èbora liderados por Èsù, Ògún e Òsóòsì,
que já conheciam o caminho para o Òrún Àkàsò, lugar onde Òlórum determinara
para a criação do Àiyé, mundo manifesto. Juntamente com todos os outros Èbora: Òsáyìn,
Omolu, Òsumàrè, Nana, Ìrókò, Òsun, Yèmájà, Yánsàn, Sàngó, Oba, Iyewa, Lógun Ède,
Ibéji e Èegun Elébajò, dirigiu-se para o lugar onde havia um pilar de ligação,
chamado Òpó-Òrúm-oún-Àiyè.
Odùdúwà parou e viu que era
exatamente ali o local indicado, onde, por Obra e Graça do seu Pai, tudo começaria...
Enquanto tudo isso ia tomando forma, Èsù e Òrúnmìlà conversavam sobre
os grandes fundamentos que estavam por trás de todo aquele trabalho, que ora se
realizava através de Odùdúwà.
Òrúnmìlà fazia chegar ao
conhecimento de Èsù, a qualidade dos dois signos-símbolo odús, que se
apresentaram à mesa do oráculo, quando Odùdúwà foi se consultar. Dizia ele para
Èsù, que logo após Oyèku Méjì ter apresentado os seus desígnios, jogara mais
duas vezes, sendo que, o primeiro Odù a se apresentar fora Òdí Méjì, que
corresponde à posição Norte dos pontos cardeais, representa o aprisionamento do
espírito à matéria para que a vida possa se tornar manifesta e surgir no mundo
o que estava sendo criado.
Com isso, os Òrìsà teriam também
que abdicar de viverem para sempre no Òrún. Agora, nesta primeira fase,
viveriam de forma espiritual como ainda se encontram, mas que, após a conclusão
dela, iriam também possuir um corpo material, denominado Arà, desta mesma
matéria que Odùdúwà estava usando na confecção do mundo e, sujeitando-se às
suas necessidades inerentes.
Explicava Òrúnmìlà a Èsù, que uma vez presos a corpos materiais, não
havia meios de regressarem ao Òrún, a não ser que o seu tempo estivesse
terminado no Àiyé. Explicou também, que os Òrìsà, por representarem uma força
universal, seriam os genitores divinos, e, os Èbora, matéria de origem dos
seres humanos, quando Iyá-nlá, a Terra acabasse de ser criada.
Sobre o segundo Odù que se apresentou à mesa do jogo, - Ìwòrì Méjì: representa o ponto cardeal Sul, fala dos
caminhos do espírito, e é quem determina sua liberação do jugo da matéria,
podendo o espírito agora voltar ao Òrún, desligando-se assim dos corpos que
irão compor esses seres, chamados humanos.
Esses corpos, segundo o ìtàn, são quatro: físico, emocional, mental e
espiritual, que é o Ìpònrí -, partícula divina e imortal que pertence ao pai Òlórun.
E, que os outros corpos: Arà (corpo físico), Ojíjì (emocional), e por fim Émì
(mental), criados em co-participação com a terra, através da lama, eerúpe - matéria
prima que Ìku, o Òrìsà da Morte retirou para a confecção do ser humano,
entregando-a a Olódùmarè, para que Òrìsàlà, Olúgama e Babá Ajálà, o modelem
segundo: “à Nossa Imagem, conforme a Nossa Semelhança...” Depois então,
sopraria o Seu “hálito divino”, o emì, sopro de Olódùmarè, - o ar da vida.
Explicou ainda, o sábio sacerdote a Èsù: que todos terão um corpo que
se chamará arà e, o que daria vida a
esse corpo seria o emì; que a
individualidade seria dada por orì, a cabeça, que a qualidade-momento do
nascimento determinaria o odù. Quando o ser humano morresse, eles retornariam à sua origem, - axexé. O
corpo voltaria para Ìyá-nlá, donde foi tirado juntamente com o emocional, o ar,
voltaria para a atmosfera, - sàmmó e, que Orì retornaria ao Oké ìpòrí, lugar de
origem do seu asé individual, seu genitor divino, Òrìsà. Orúnmìlà, conta também a Èsù, que esses
primeiros seres, já anciãos, - àgbà, ao morrerem, seus espíritos passariam a
ser Okú-Òrun, ancestrais, ou Irúnmalè-ancestre. Os seus descendentes-filhos,
Irúnmalè-Omo ancestre, seriam chamados Éegun, explicando assim, o conceito de Àtúnwa,
de muitas reencarnações, que retrata na verdade, a continuidade da vida através
dos seus descendentes, ancestres familiares. Alguns desses Irúnmalè Omo-ancestres,
égúns, depois de muitas vidas por diferentes corpos, se revoltariam e criariam
uma “confraria” denominada Egbé Òrún Abiku, pois não estariam dispostos a
passar provações espirituais aqui na terra, provocando assim a sua própria
morte prematuramente. Èsù estava interessadíssimo com o relato feito pelo seu
sacerdote, quando todos interromperam a conversa deles.
Acho importante, mais a frente, explicar melhor o conceito yorubá, atúnwà,
pois existe uma grande confusão a respeito. Muito diferente de transmigração
budista e reencarnação espírita Kardecista, ainda assim, é considerada
semelhante, - o que é um grande engano.
J. Alfredo Bião
J. Alfredo Bião
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