– 1 DE DEZEMBRO DE 2016
Brasília - O presidente Michel Temer acompanhado dos
Presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia
e Renan Calheiros durante jantar com a base aliada no Palácio da
Alvorada (Beto Barata/PR)
Temer fala num dos banquetes para deputados e senadores, em
favor da PEC-55 (Beto Barata/PR)
Mídia e PSDB parecem controlar governo Temer. “Dez medidas”
dos procuradores consolidam Estado policial e punitivista. Mas crescem, no
poder, conflitos e fragilidades
Por Luís Nassif, no GGN
Poucas vezes, na história de uma República permanentemente
sujeita a golpes, viu-se uma espetáculo tão deprimente de falta de compostura
institucional, uma ópera bufa da pior espécie.
O país institucional tornou-se uma verdadeira casa da Mãe
Joana, com personagens indignos de representá-lo à frente do Executivo, do Congresso, do
Supremo Tribunal Federal, da Procuradoria Geral da República, do Judiciário e
dos partidos políticos.
Brinca-se com o poder, derruba-se um presidente eleito,
arma-se contra o interino que aboletou-se do cargo, fazem cálculos sobre o
momento de impichar a chapa, se agora, se no ano que vem, valem-se de seu poder
institucional para toda sorte de abusos.
Procuradores atuam politicamente; deputados lutam para
legalizar o crime; Ministros do Supremo e o Procurador Geral da República
manipulam prazos de inquéritos para proteger aliados; juízes de 1ª instância
autorizam grampos a torto e a direito.
Mas era previsto, tal o grau de desordem institucional
plantada no país pela abulimia do STF, ao permitir o atropelo da Constituição.
Deve-se ao Supremo esse vale-tudo.
Cada grupo deu sua contribuição para o golpe, Sérgio Moro e
Rodrigo Janot vazando grampos ilegais, a imprensa no exercício amplo da
pós-verdade, o Supremo acovardando-se e abrindo mão de seu papel de guardião da
Constituição e a presidente incapaz de defender seu próprio mandato.
Consumado o golpe, sem dispor mais do agente aglutinador,
passou-se a disputar o butim do poder. E agora chega-se a esse vale-tudo
vergonhoso, sem um estatuto da gafieira para discipliná-lo minimamente.
Vamos entender um pouco mais esse Xadrez da Ópera Bufa.
Peça 1 – o tempo político na era das redes sociais.
Nessa era das redes sociais, das notícias online, o tempo
político tornou-se impressionantemente curto. Processos que, antes, levavam
meses para amadurecer, agora acontecem em questão de dias ou horas.
Qualquer fato relevante espalha-se em minutos pela opinião
pública de todo o país. Não é necessário mais aguardar a edição impressa do
jornal no dia seguinte ou a edição do Jornal Nacional à noite.
Reverberando em tempo real, o noticiário acelera não apenas
a tomada de consciência como a tomada de decisões.
É um dado relevante para nossos cenários, inclusive na
análise do tempo político do golpe e da atual onda conservadora-liberal.
Mal se saiu do golpe, o jogo começa a afunilar e a tornar
mais nítidos os personagens reais do novo poder: a aliança
PSDB-PGR-STF-mídia-mercado. Eles darão as cartas daqui para frente.
Peça 2 –o PSDB passa a tutelar Temer
O primeiro lance foi em cima do Executivo, da camarilha de
Michel Temer.
No dia 24 de novembro saiu a notícia das gravações do
ex-Ministro da Cultura Marcelo Caleró com várias autoridades do governo –
incluindo Temer.
No mesmo dia, matamos a charada, no “Xadrez do golpe no
golpe͟”, ao mostrar os vínculos de Caleró com o PSDB.
No dia seguinte, haveria um almoço entre Temer e Fernando
Henrique Cardoso. Analisando a reação da Globo em relação ao episódio, o xadrez
ficou nítido. De um lado, a Globo incensando a coragem de Celeró e dando ampla
visibilidade ao encontro do PSDB, com a cobertura centrada na figura de
Fernando Henrique Cardoso; do outro, no Jornal Nacional uma catilinária que não
poupou Temer.
Juntando peças no “Xadrez do homem que delatou Temer”͟, a
conclusão era quase óbvia: usaram o tombamento pelo IPHAN do Secretário da
Presidência Geddel Vieira Lima, para a Globo montar sua dramaturgia com Celeró
visando colocar Michel Temer sob a curadoria do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso.
Ontem mesmo – primeiro dia útil após o almoço com FHC – o
pequeno Temer colocou em campo o Secretário Moreira Franco para negociar com o
presidente do PSDB, Aécio Neves, uma maior participação do PSDB no governo. E
aceitou a condição apresentada por FHC, do PSDB passar a participar da
formulação das políticas de governo (https://goo.gl/Kedkne). Tudo devidamente
combinado com FHC no almoço que aconteceu um dia depois de Caleró botar a boca
no trombone.
Nas próximas semanas haverá reforma ministerial contemplando
a nova composição de forças. Provavelmente dançará também Eliseu Padilha, que
supôs ter comprado o silêncio da mídia com sua bolsa-mídia. Os pactos de tinta
da mídia são mais flexíveis que os pactos de sangue da máfia. Esse tipo de
barganha garante a blindagem somente até a véspera do último dia.
Em um governo em que há corrupção até na liberação de
edifícios residenciais, como manter no cargo um Ministro com a ficha de
Padilha, envolvido em falcatruas até em prefeituras do interior, sabendo que
passam por ele todas as indicações a cargos públicos, incluindo as diretorias
do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal? As grandes corrupções
institucionais, complexas, sofisticadas, ao largo da compreensão da opinião
pública, não podem conviver com ladrões de galinha. A diferença entre a
camarilha e os profissionais é a mesma entre, digamos, um Carlinhos Cachoeira e
um Madoff.
Por sua vez, um Padilha custa cerca de dez Geddel. E o
governo Temer não tem consistência para suportar nem meio Geddel a mais.
Os valentes conquistadores que, nos primeiros dias no poder,
ordenaram uma Noite de São Bartolomeu no serviço público, sob pressão expõem
sua verdadeira dimensão: Geddel aos prantos pelos corredores do Palácio,
Padilha internado com pressão alta.
Mas o novo tempo de jogo está apenas começando. E nem se
incluíram as perguntas de Eduardo Cunha e Michel Temer em seu julgamento pelo
juiz Sérgio Moro.
Peça 3 – o Judiciário tenta submeter o Congresso
Não basta o enquadramento de Temer. A ofensiva seguinte é em
cima do Congresso, no embate em torno das tais 10 Medidas contra a corrupção e
da Lei Contra Abuso de Poder.
Com ou sem Geddel, e com Padilha na linha de fogo, a bancada
do PMDB, somada ao Centrão, não entregaria facilmente a rapadura.
É por aí que entra o fator Judiciário.
As 10 Medidas não visam apenas conferir maior efetividade no
combate ao crime: visam a conquista do poder institucional pelo Ministério
Público e pelo Judiciário.
Estão em jogo as delações da Odebrecht e das demais
empreiteiras. A lista de nomes conferirá um poder inédito ao Procurador Geral
da República. Com o apoio da Globo, o PGR tem o poder de engavetar denúncias,
inquéritos, definir o ritmo dos inquéritos em andamento, escolher quem será ou
não processado.
Além de livrar os seus do crime do caixa dois, o Congresso
não quer deixar os procuradores com esse poder ilimitado nas mãos, ainda mais
agora que ficou nítido que disputam efetivamente o poder.
Cada procurador, aliado a um juiz de 1a instância, tem poder
de mandar para a cadeia qualquer pessoa sem prerrogativa de foro, expô-la à
humilhação pública, grampeá-la e divulgar os grampos – como ocorreu no episódio
Garotinho – com a garantia de que será blindado pelos escalões superiores. Não
é por falta de lei. É por solidariedade de classe.
TEXTO-MEIO
No Congresso, as únicas lideranças capazes de fazer frente a
esse poder avassalador do MPF-Globo seriam o presidente Renan Calheiros e o
líder da maioria Romero Jucá, ambos donos de uma biografia política polêmica.
Na quarta-feira, Renan jogou sua grande cartada – votar o
regime de urgência para a Lei de Abuso de Poder -, mas o Senado refugou. O
temor dos Senadores – tanto do MPF quanto da opinião pública – foi maior e
deixaram seu líder ao relento.
Na quinta-feira, o Supremo analisará uma das ações contra
Renan. O caso está nas mãos do Ministro Luiz Edson Fachin. Com a tibieza
demonstrada pela casa, nos últimos tempos, e com a frente ampla de defesa dos
juízes, é possível que Renan seja degolado. E Jucá virá atrás. Ontem mesmo, a
Lava Jato tratou de retaliar e vazar denúncias contra Jucá.
Não que não mereçam. Mas, de imediato, se os dois
comandantes efetivamente forem deixados fora de cena, não haverá poder capaz de
se contrapor ao poder quase absoluto do Ministério Público.
Abre-se espaço para a pessedebização final do governo Temer
e para o início efetivo da República dos Procuradores.
Mas como o homem põe e o destino dispõe, há o agravamento da
crise política colocando um complicador a mais no nosso xadrez.
Peça 4 – a ideologia dos economistas do PSDB
Cada escola de pensamento costuma de embaralhar em seus
dogmas ideológicos. Os desenvolvimentistas acreditaram que o excesso de
subsídios resultaria em um aumento da atividade que compensaria a queda de
receita. Os ortodoxos acreditam piamente no papel das políticas monetária e
fiscal, como únicos instrumentos de gestão da economia.
Mas há uma diferença fundamental entre os monetaristas
históricos e a geração de economistas de mercado que se torna hegemônica a
partir do plano Real usando o PSDB como “cavalo”. Os velhos economistas
ortodoxos, monetaristas, utilizam suas ferramentas teóricas tendo como objeto
de análise a realidade, assim como sua contraparte, os desenvolvimentistas. Ou
seja, desenham as estratégias que consideram mais adequadas para o país.
Já os economistas de mercado, tendo como base a PUC-Rio e
como inspiradores os economistas do Real, sempre atuaram ideologicamente
pensando apenas nas estratégias de fortalecimento do mercado, que criem novos
negócios, que permitam o predomínio do financista em relação ao restante da
economia, independentemente dos efeitos sobre o país.
Banco Central, Fazenda e BNDES já trabalham assim,
procurando
1. Instituir o teto para despesas, liberando o orçamento
para os próximos vinte anos, para pagamento exclusivo dos juros e amarrando as
mãos dos futuros governantes para qualquer outra tentativa de políticas
proativas.
2. Mudar o comando das grandes obras públicas, das
empreiteiras para o mercado. Para tanto, além de esterilizar R$ 100 bilhões do
BNDES, estão proibindo-o de financiar exportações de serviços ou mesmo de
financiar qualquer empresa que esteja fichada na Lava Jato.
3. Ao mesmo tempo, articulam a criação de fundos para
trabalhar dívidas públicas renegociadas, visando servir de lastro para os
fundos de infraestrutura que passarão a comandar os investimentos.
4. O ajuste fiscal produzirá uma razia na atividade
econômica, já afetada pela maior recessão da história. Pensa-se, com isso, em
reduzir a resistência às reformas e, ao mesmo tempo, derrubar preços de ativos,
permitindo um redesenho da economia através dos processos de fusões e
aquisições capitaneados pelos grandes fundos de investimento.
Algumas ideias são razoáveis, outras meramente ideológicas.
Mas o conjunto final é catastrófico: visando a disputa ideológica, de eliminar
definitivamente as empreiteiras como fontes de influência e de poder, criam um
vácuo na atividade econômica. Mesmo assim, esses economistas são as únicas
fontes de ideias do PSDB. Os comandantes do partido – Aécio, Serra, Alckmin,
Aloysio, José Aníbal – são incapazes de formular uma ideia estratégica sequer.
Seu único papel é o de meter-se em disputas braçais contra os adversários,
tarefa que exige muita corda vocal e pouco músculo.
Peça 5 – o recrudescimento da crise
Há alguns pontos centrais na política econômica, comuns a
qualquer escola de pensamento.
Quando a economia está despencando, a retomada depende de
alguns fatores de demanda:
Consumo das famílias
Consumo do Estado.
Exportações.
Investimentos
Nenhuma dessas precondições está presente.
Nenhum economista de peso aposta na recuperação da economia.
O fato do governo ter jogado para o segundo semestre de 2017 significa apenas
que não há nenhuma perspectiva de recuperação no curto prazo.
O que diz o economista Afonso Celso Pastore
(https://goo.gl/kFyvDQ):
Nada disso seria uma surpresa (a maior recessão dos útimos
25 anos) para quem evitasse fazer previsões sobre o PIB dando um peso excessivo
aos índices de confiança, em vez de ponderar as perspectivas das exportações,
do consumo das famílias e da formação bruta de capital fixo.
Com as exportações mundiais e os preços de commodities em
queda, não podemos esperar que as exportações brasileiras impulsionem a
retomada do crescimento. Nem o consumo das famílias poderá exercer essa função
nos próximos trimestres, quer porque, após o encerramento da recessão o nível
de emprego e os salários ainda sofrerão quedas, quer porque os bancos deverão
continuar retraídos na concessão de crédito.
Resta esperar que a retomada do crescimento venha dos
investimentos em capital fixo, mas, na grande maioria dos setores, há uma
enorme capacidade ociosa, e assistimos a um número recorde de empresas em
recuperação judicial.
Delfim Neto é mais sintético, mas com o mesmo pessimismo
(https://goo.gl/lh56Yh):
Há sérias dúvidas, por exemplo, sobre a eficácia da política
anunciada “urbi et orbi” que teríamos em 2016 uma política fiscal fortemente
contracionista.
Primeiro, porque assustou o setor privado que sofreu o
contracionismo efetivo de 2015 e viu a demanda global desabar e, segundo,
porque há sérias dúvidas se ela será, de fato, contracionista.
Quanto à política monetária, esta, sim, tem sido restritiva:
houve aumento da taxa de juro real e recusa a enfrentar a necessidade de
sustentar uma taxa de câmbio real competitiva e relativamente estável, o que
inibe o investimento e as exportações industriais, dois vetores do crescimento.
Sem uma acomodação do crédito para mitigar a alavancagem do
setor privado e sem a garantia de uma taxa de câmbio real adequada, é muito
pouco provável que se restabeleça uma “expectativa” de crescimento e que volte
à vida a indústria nacional.
E, sem elas, o equilíbrio fiscal, apesar de ser
absolutamente necessário, continuará apenas uma ilusão…
A rigor, qual a única instituição que está efetivamente
preocupada com o quadro econômico? Justamente o Senado de Renan Calheiros:
Em face das crises recorrentes, o presidente do Senado
Federal reitera a imperiosidade de uma agenda a fim de superar o agravamento da
situação econômica que penaliza toda a sociedade brasileira. (…)
Segundo o presidente, o ajuste que está sendo implementado é
uma obrigação para fazer frente ao momento econômico, mas precisa ser
complementado com medidas de retomada da atividade econômica, geração de
empregos, recuperação dos investimentos e, o principal, a redução dos juros.
Não é somente o limite de gastos e a reforma da previdência.
Peça 6 – desfechos possíveis
Seja qual for o desfecho desses embates PSDB x Temer,
Congresso x Justiça, a única maneira de superar a crise será um pacto nacional
para consolidar a única política econômica capaz de tirar o país do atoleiro:
Aumento dos gastos públicos nas grandes obras públicas e nos
programas sociais.
Uso dos bancos públicos – BNDES, BB e CEF – para permitir a
renegociação dos passivos das empresas.
Redução acelerada da Selic e manutenção do câmbio em patamar
competitivo.
Agilização dos programas de concessões, assim que a
recuperação da demanda definir um cenário mais favorável.
A questão é que só se chegará a esses pontos quando a crise
for vista como suficientemente ameaçadora. A informação que vale um bilhão é:
quando se chegará no fundo do poço que dispare o gatilho do bom senso sobre o
país?
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