Alinhada à agenda neoliberal de Guedes, emissora não deseja o impeachment — aliás, até blinda o governo de ataques. Estratégia é criticar apenas a pessoa do presidente — e, assim, destruí-lo até o pleito de 2022, enquanto projeta Huck ou Moro
OutrasPalavras
por Maurício Abdalla
Publicado 13/11/2020 às 15:20 - Atualizado 13/11/2020 às
15:28
Por Maurício Abdalla | Imagem: Aroeira
É claro e visível que Rede Globo assumiu uma linha editorial
de oposição a Jair Bolsonaro. Ilude-se, porém, quem pensa que se trata de uma
oposição ao “Governo”, como foi com relação aos governos do PT.
O núcleo do governo real está nas mãos do Ministro da Economia
Paulo Guedes. Todas suas medidas e propostas agradam as grandes empresas
privadas (como a Globo), os banqueiros e outros setores do capital que, além de
comporem a mesma classe social dos proprietários das Organizações Globo, são
seus patrocinadores e sócios em diversos outros negócios em que o grupo Marinho
também investe seu capital.
Por isso, todos os ataques da Globo são à pessoa do
presidente (que, a propósito, ela ajudou a eleger) e à sua família, mas não
desestabilizam o Governo a ponto de criar as condições para um impeachment.
Sua intenção é destruir a imagem pessoal de Jair Bolsonaro, dificultando sua
reeleição em 2022, a fim de emplacar um candidato que o substitua e seja mais
de seu agrado, como Moro, Luciano Huck ou mesmo João Dória.
Se a Rede Globo, como potência comunicacional e econômica,
quisesse realmente fazer oposição ao Governo e criar as condições para sua
queda, usaria as armas que bem sabe usar e das quais lançou mão, sem nenhum
limite, para criar o contexto que resultou no Golpe de 2016.
Por exemplo, os veículos de comunicação da Globo poderiam
fazer matérias que transformassem as entregas dos diversos pedidos de impeachment de
várias entidades a Rodrigo Maia em eventos merecedores de primeiras páginas em
jornais e destaques nas rádios e telejornais. Poderiam transmitir esses eventos
ao vivo, com tom de gravidade na fala dos narradores e comentaristas, induzindo
a opinião pública a pressionar seus deputados e o Congresso para que os pedidos
fossem colocados em pauta.
Também seria possível para ela relacionar os absurdos ditos
e feitos pelo presidente à situação de instabilidade política e econômica do
país, e não apenas atribuí-los a um delírio pessoal do chefe do Executivo.
Adicionalmente, poderia concentrar sua cobertura política na responsabilidade
do Congresso Nacional e do STF, que permitem a continuidade da barbárie que
esse Governo representa, embora tenham o poder e a obrigação de agir como
Poderes independentes que fiscalizam e limitam o Executivo dentro do
ordenamento jurídico constituído.
A cobertura jornalística dos veículos das Organizações Globo
poderia vincular os casos de corrupção e envolvimento com milícias da família e
aliados do presidente aos partidos que sustentam o Governo no Congresso
Nacional. Em nenhum momento foi explorado ou comentado, por exemplo, o fato de
que o senador Chico Rodrigues, do episódio do dinheiro na cueca, além de ser
vice-líder do Governo e amigo íntimo da família de Bolsonaro, era do DEM, mesmo
partido do presidente da Câmara dos Deputados Federais Rodrigo Maia.
Além disso, seria fácil para a empresa articular com seu
grupo social e econômico eventos de protesto e criar na opinião pública a ideia
de insustentabilidade política do Governo, dando voz aos grupos de oposição –
mesmo àqueles sem representatividade, como eram os “movimentos” criados do nada
a partir de 2013 e que, depois, conseguiram até eleger parlamentares em vários
níveis da Federação com quantidades expressivas de votos.
A indução da opinião pública (que a Globo sabe fazer com
profissionalismo e competência inigualáveis) se refletiria nas redes sociais e
o movimento pelo impeachment ganharia amplificação e vida
própria. Todo esse clima chegaria aos deputados, que teriam vergonha ou
preocupação com seu futuro político caso revelassem publicamente seu apoio ao
Governo Bolsonaro.
As condições para um impeachment estariam
criadas. Erradamente, diga-se de passagem, pois, no presidencialismo e pela
Constituição brasileira, a destituição do chefe de governo não deve depender da
vontade do parlamento – e nem sequer da população. A condição necessária e
suficiente para isso deveria ser o cometimento de crime de responsabilidade,
coisa que este Governo faz de sobra e que Dilma não fez, embora tenha perdido o
cargo.
Mas, de qualquer forma, se as Organizações Globo estivessem
mesmo preocupadas com a perpetuação da barbárie que Bolsonaro representa – e
que seus jornalistas e comentaristas têm criticado insistentemente –, saberia
como agir, pois já fez isso, sem nenhum escrúpulo, com os governos petistas. E
o resultado foi a eleição da figura abjeta cuja imagem a empresa tenta, hoje,
destruir.
Portanto, mesmo que libere seus jornalistas para denunciar
as aberrações políticas da pessoa de Jair Bolsonaro e aparente
estar do lado dos valores civilizatórios básicos que mantêm o tecido social –
ainda que seja o da sociedade injusta, desigual e excludente que emerge do
capitalismo –, a Rede Globo continua cúmplice da barbárie e do irracionalismo
político. E mostra não se importar em tolerar esse Governo até que um próximo
candidato que caia em suas graças possa se apresentar como alternativa viável
para 2022.
...
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