Pular para o conteúdo principal

O Brasil a um passo do isolamento total


Possível derrota de Trump deixará órfã a política externa indigente de Ernesto Araújo. País desperdiçará, além disso, enorme oportunidade de ser contraponto às políticas agressivas que Biden provavelmente manterá


OutrasPalavras

Publicado 03/11/2020 às 14:25

PorMarcelo Zero


Emerso de brumas medievais, nosso ponderado chanceler declarou, na recente formatura do Instituto Rio Branco, que o Brasil é pária mundial e que deve ostentar essa honrosa condição como uma medalha.


Ficamos um tanto surpresos.


Ignorantes que somos dos tortuosos silogismos do tomismo diplomático, que hoje domina corações e mentes da alta cúpula do Itamaraty, pensávamos que o objetivo maior da política externa, de qualquer política externa, era o de manter boas relações com todos os países e fortalecer o prestígio e o protagonismo de um Estado no cenário mundial.


Estávamos redondamente enganados. Ou melhor, estávamos “plenamente” equivocados.


Ensina-nos o chanceler pré-iluminista que a finalidade principal da política externa brasileira é o isolamento. Assim, a boa política externa seria uma antipolítica externa.


Não entendem essa aparente contradição aqueles que não estão acostumados com o arguto e percuciente cérebro de cinzenta matéria e sombrio espírito do nosso chanceler.

Na realidade, a antipolítica externa de isolamento e desprestígio faz pleno sentido, no contexto do governo Bolsonaro.


Afinal, esse é o governo das antipolíticas.


Tome-se o exemplo da política ambiental. Os incautos diriam que o objetivo de tal política seria defender o equilíbrio ambiental, combater as mudanças climáticas e promover o desenvolvimento sustentável.


Não é.


No Brasil, a política ambiental tem como claro objetivo promover ativamente os desequilíbrios ambientais e a emissão de gases do efeito-estufa, bem como deixar queimar biomas inteiros e “abrir a porteira” para a vitoriosa passagem de atividades predatórias.


Trata-se, portanto, de uma antipolítica ambiental, de enorme sucesso internacional, como a antipolítica externa.

O mesmo pode ser dito da política de saúde.


Os ingênuos afirmariam que a política de saúde teria de ter como finalidades o combate efetivo à covid-19, com base em evidências científicas, o fortalecimento do SUS, o reerguimento do Mais Médicos, do Farmácia Popular etc.


Não é. O objetivo da política de saúde do governo Bolsonaro é promover a disseminação do vírus, tratar a doença com drogas sem comprovação científica, fragilizar o SUS e acabar com todos os programas destinados a prover tratamentos e remédios para os mais pobres. Assim, trata-se de antipolítica de saúde, destinada a promover doença.


Coisa semelhante pode-se afirmar da política de direitos humanos, da política social, da política de educação etc. Este é um governo de desconstrução; não de construção.


Estamos, portanto, muito confortáveis, orgulhosos e satisfeitos com nossa posição de pária.


Preocupa, contudo, nossa futura condição de órfão.


Nossa antipolítica externa é consequência direta da aliança com Trump e a extrema-direita norte-americana.


Entretanto, o novo Messias do Ocidente deverá perder as eleições para Biden, que lidera não apenas no geral, mas na maioria dos estados-chave.


Este ano de 2020 não será igual a 2016, quando os institutos erraram nas amostragens e houve muito absenteísmo. Há grande mobilização contra Trump e as pesquisas estão levando em consideração, na devida proporção, o voto dos homens brancos sem título universitário, segmento no qual o Messias é mais forte, sabe-se lá o porquê.


A perda do papai Trump, a quem Bolsonaro devota incondicional amor filial, tornará órfão o capitão.


As relações do governo Bolsonaro com um futuro governo Biden não deverão ser muito amistosas, por motivos óbvios.


Haverá pressões severas no campo ambiental e no campo dos direitos humanos. O apoio político escancarado e impudico do chanceler, do presidente e de seus filhos a Trump não contribuirá para boas relações bilaterais.


Não obstante, do ponto de vista geopolítico, não haverá mudanças substantivas na política dos EUA para a América Latina e o Brasil.


A doutrina atual de segurança nacional dos EUA, que colocou a grande disputa pelo poder mundial com China, Rússia e aliados no centro da geopolítica norte-americana, foi concebida na administração Obama e lançada em 2010.

Em 2017, Trump confirmou, em linhas gerais, tal política, retirando apenas as mudanças climáticas como uma das grandes ameaças à segurança dos EUA.


Haverá, portanto, a continuidade dessa política. Em política externa, nada mais semelhante a um republicano do que um democrata. À exceção de Sanders, é claro. Mas Biden não é Sanders.


Biden continuará a pressionar os países da nossa região a combaterem a influência de China e Rússia no subcontinente. É possível até que essa pressão aumente.


Regimes como o de Maduro, na Venezuela, a quem Biden chama abertamente de “ditador”, continuarão a ser vistos como ameaças aos interesses norte-americanos e, como tal, estarão sujeitos a sanções e pressões de toda ordem, inclusive militar. Em sua campanha presidencial na Flórida, estado-chave para as eleições, Biden prometeu aos anticastristas continuar a pressionar a “ditadura cubana”. 


Assim, até mesmo a détente de Obama em Cuba poderá ser comprometida pela nova administração democrata.

Para piorar o cenário, Biden deverá ser mais agressivo do que Trump em relação à Rússia e à Coreia do Norte, por exemplo. Seus laços com a Ucrânia poderão levá-lo a intervir mais fortemente num conflito geoestratégico que tem potencial para comprometer a segurança do mundo.


O Brasil, caso ainda tivesse uma política externa, poderia contribuir para limitar a pressão dos EUA sobre a região, voltando a apostar na integração regional, na reconstrução do Mercosul, da Unasul e da Celac, na não-intervenção, na solução pacífica dos conflitos etc.


Párias e órfãos, porém, pouco ou nada podem fazer. Vira-latas tampouco.


Uma coisa é certa: com Trump ou com Biden continuaremos a passar vergonha.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O mito da caverna de Platão se aplica à hipnose midiática atual e a sua influência manipuladora nas massas carentes de uma temática própria.

O mito da caverna, de Platão O mito da caverna conta que alguns prisioneiros vivem, desde o nascimento, acorrentados numa caverna, passando todo o tempo a olhar para a parede do fundo da caverna, que é iluminada pela luz duma fogueira. Nesta parede aparecem as sombras de estátuas de pessoas, de animais, de plantas e de objetos, mostrando cenas e situações do dia-a-dia. Os prisioneiros dão nomes a essas sombras e ficam analisando e julgando as situações. Se um desses prisioneiros se desvencilhasse das correntes para explorar a caverna por dentro e o mundo por fora, conheceria a realidade e perceberia que passou a vida analisando e julgando apenas sombras, imagens projetadas por estátuas. Quando saísse da caverna e entrasse em contato com o mundo real, se encantaria com os seres de verdade, com a natureza real. Ao voltar para a caverna, ansioso pra passar o seu conhecimento adquirido fora da caverna para os outros prisioneiros, seria ridicularizado. Os prisioneiros que não conh...

Espinosa – O apóstolo da razão - 5 Virtudes do homem livre

"Facilmente veremos em que se diferencia o homem que se conduz apenas pelo afeto, ou pela opinião, do homem que se conduz pela razão. Com efeito, o primeiro, queira ou não, faz coisas que ignora inteiramente, enquanto o segundo não obedece a ninguém mais que a si próprio e só faz aquelas coisas que sabe serem importantes na vida e que, por isso, deseja ao máximo. Chamo, pois, ao primeiro, servo, e ao segundo, homem livre. Gostaria de fazer ainda umas poucas observações sobre as inclinações e a maneira de viver desse último” – Espinosa, Ética IV, prop 66, esc Espinosa buscava viver com virtude, virtus: força, potência. Para quem está chegando agora talvez seja difícil perceber, mas, segundo uma comprida cadeia de axiomas e definições, a virtude se funde à felicidade e à utilidade, ela torna-se o caminho e ao mesmo tempo o ponto de chegada para a vida livre (veja aqui). O sábio trilha caminhos que o tornam cada vez mais sábio, isso o alegra, pois o permite conhecer mais e mais...

Um exemplo

Bom dia meu amigo, tudo bem? Sou Mateus Macabu, Asessor do Vereador Wellington Santos, quero passar pra você uma breve prestação de contas do Mandato do Vereador. O vereador Wellington Santos representa 24,37% das matérias em debate na Câmara Municipal de Casimiro de Abreu. Temos 08 Leis em execução no Município, como a Lei n. 2248/2022 e a Lei 2249/2022, a primeira que garantiu acesso da rede de Wi-Fi para todos os usuários do nosso Hospital, a segunda garante a isenção do IPTU a templos religiosos em forma de comodato ou aluguel. Dentre as 179 indicações na Câmara Municipal, temos dezenas executadas, como a Indicação n. 946/2021 que criou o grupamento da Romu em Casimiro de Abreu, trazendo mais segurança para nossa população, a Indicação n. 474/2023 que criou o Comitê de Segurança Escolar, com vários segmentos da nossa Sociedade, em um momento que vivíamos de grande apreensão nas Escolas. Somos o único Vereador que possui Gabinete Avançados para atender a população, sendo 01 em C...