Grupo se autodenomina “MP Pró-Sociedade”, mas protege os
disseminadores de fake-news, ajuda a insuflar ódio contra a esquerda e chega a
obrigar prefeitos a comprar cloroquina – e médicos da rede pública a
receitá-la. Veja como atuam
OutrasMídias
Publicado 05/11/2020 às 18:25 - Atualizado 05/11/2020 às
18:26
Por João Filho, no The Intercept Brasil
Há duas semanas, escrevi sobre a Anajure, um grupo formado
por juristas evangélicos com alto poder de influência sobre o governo
Bolsonaro. Agora, escrevo sobre o MP Pró-Sociedade, um grupo de procuradores
conservadores alinhados ao bolsonarismo e à ideologia de extrema direita
dominante no país. O grupo foi fundado um mês após a eleição do Bolsonaro. O
nome já é de uma bizarrice sem tamanho, “pró-sociedade”, como se fosse possível
cogitar um MP contra a sociedade.
Mas, por trás dessa bizarrice, há um projeto claro de apoio
jurídico ao bolsonarismo mesmo diante das suas maiores atrocidades. Atua
informalmente como um braço jurídico dos radicais de direita. É uma associação
que deve ter seu nome registrado na história por usar o aparato do estado para
atuar em defesa da sua ideologia reacionária.
Segundo uma apuração da Agência Pública, em ao menos nove estados,
membros do MPF e dos MPs estaduais, integrantes do grupo MP Pró-Sociedade,
usaram de suas prerrogativas para forçar prefeituras a aderirem a uma
insanidade liderada pelo presidente da República: o uso da cloroquina, da
hidoxicloroquina e da azitromicina para o tratamento da covid-19.
Em várias cidades, prefeitos tiveram de assinar um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) para garantir que esses remédios possam ser
receitados pelos médicos da rede pública. Os procuradores desprezaram o
consenso científico em torno da ineficácia dessas medicações e se
alinharam à politicagem barata e alucinada comandada por Bolsonaro.
Além dos TACs, membros do MP têm também entrado com ações
judiciais para obrigar prefeitos a fornecerem esses remédios. Estão usando o
estado para forçar prefeituras a torrar dinheiro público com uma invenção
parida pelo submundo da extrema direita. Uma invenção que acabou sendo
rejeitada até mesmo por Donald Trump, mas que continua fazendo parte da
narrativa bolsonarista.
A turma também teve papel atuante em casos em que Bolsonaro
tinha algum interesse. Foi responsável, por exemplo, por entrar com habeas
corpus no STF para livrar a barra da turminha do gabinete do ódio, alvo de uma
operação da Polícia Federal no âmbito do inquérito das fake news, aberto pelo
STF. Dezessete pessoas suspeitas de integrar uma rede de ataques contra
ministros da Corte sofreram buscas. Oito delas eram deputados bolsonaristas,
que tiveram que prestar depoimentos na polícia. Quando a extrema direita
estiver em apuros, o MP Pró-Sociedade estará sempre pronta para ajudar.
A carta de fundação do MP Pró-Sociedade é um documento que
impressiona pelo radicalismo. Deve fazer Plínio Salgado sorrir no inferno. Para
eles, o conservadorismo “não é uma ideologia”, mas “um fato”, uma “tendência
natural das sociedades”. Para esses integrantes do MP, as ideologias querem
impor revolução através de “sangue, destruição da cultura, da religião, da
moral, do Direito, e outras”. Elas pretendem destruir “o passado para refazer o
presente a partir de experiências de engenharia social cujas cobaias são os
indivíduos”. É o lenga-lenga olavista com o qual Brasil já se acostumou.
O texto faz questão de diferenciar “globalização” de
“globalismo”, que é “um movimento que visa a submeter soberanias nacionais a um
poder central”. Esse é outro delírio que também foi parido no submundo da
extrema direita internacional e replicado no Brasil por Olavo de Carvalho. É um
conceito fantasioso que não encontra eco em nenhum lugar na academia.
Eles também dão muita importância para as artes. “A beleza é
uma necessidade universal do ser humano, que importa muito (…) Abrir mão do que
é bom, sensível e belo seria uma ruptura no nosso modo de vida, e apto a levar
ao caos, à barbárie e a condições que facilitam perigosas experiências de
engenharia social”, afirmam na carta. Os nobres integrantes do MP valorizam um
mundo belo, clássico, uma cultura superior — uma narrativa presente no famoso
pronunciamento de Roberto Alvim, o ex-secretário especial da Cultura que
plagiou Hitler.
Alguns dos fundadores do grupo são figuras conhecidas do
debate público. Ruth Kicis, irmã da ex-procuradora e atual deputada federal Bia
Kicis, é vice-presidente do grupo. Para quem não se lembra, Bia é uma fervorosa
bolsonarista conhecida por espalhar mentiras na internet. Ela também foi alvo
do inquérito das fake news, aquele que fez o MP Pró-Sociedade da sua irmã
impetrar habeas corpus.
Outro fundador é Cassio Conserino, conhecido por fazer a
denúncia do MP-SP contra Lula no caso do tríplex, rejeitada pela justiça por ser vaga demais e conter
erros. O promotor, aliás, parece obcecado por Lula. Enquanto liderava a
denúncia contra o ex-presidente, usava o seu Facebook para atacá-lo, o que
demonstra o seu nível ético. Conserino foi condenado a pagar R$ 60 mil de danos morais a Lula
por tê-lo chamado de “encantador de burros”.
Ailton Benedito é outro dinossauro que integra o grupo.
Ficou famoso por gastar bastante tempo dos seus dias militando nas redes pelo
ultraconservadorismo de maneira alucinada. É um grande defensor da pena de
morte e entusiasta da ditadura militar no Brasil – a qual ele, como todo bom
golpista, chama de “revolução”. Essas credenciais anti-humanistas e
antidemocráticas levaram a ministra Damares, muito próxima do grupo, a
indicá-lo para integrar a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Político. Por sorte, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah
Duprat se manifestou pela incompatibilidade de Benedito com o cargo.
Benedito foi um dos maiores divulgadores da teoria
conspiratória importada dos EUA que associa a esquerda mundial à pedofilia. Ele
já disparou as seguintes frases no Twitter:
Outro fundador de renome nas hostes ultraconservadoras é o
procurador Guilherme Schelb, que durante o governo Bolsonaro já foi cotado para
ministro da Educação — apoiado pela bancada evangélica — e até para uma vaga no
Supremo. Schelb é obcecado pela tal “ideologia de gênero”, que é mais uma das
paranoias dos nossos tempos. Muito próximo do pastor Silas Malafaia, o
procurador é autor de declarações como: “Não se pode dar tarefa de casa, como
tem sido feito, para criança de 8, 9 anos aprender discussão de gênero, o que é
sexo grupal, como dois homens transam? O que é boquete? Isso é uma discussão de
gênero, é uma violação da dignidade da criança”.
O procurador ganhou fama entre os reacionários após
viralizar um vídeo em que afirma que o “Guia Escolar de 2011 da
presidente Dilma contempla o princípio da pedofilia” e que a “pedofilia é um
instrumento da revolução”. Durante a campanha eleitoral que elegeu Bolsonaro,
ele foi a uma igreja evangélica engrossar o
terrorismo bolsonarista: “daqui 3 a 5 anos a pedofilia estará instalada no
Brasil (…) o sexo com crianças será legalizado”.
Schelb já foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério
Público, o CNMP, por usar o cargo para fins pouco republicanos. Em
2007, foi acusado por Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da
Presidência no governo FHC por práticas incompatíveis com o cargo. Na
representação, Eduardo Jorge sustentou que Schelb vazou informações sigilosas
para a imprensa, oriundas da quebra dos seus sigilos, e passou informações
falsas à Receita Federal. Os conselheiros consideraram o pedido procedente e
puniram Schelb.
Esse é o DNA do MP Pró-Sociedade. Trata-se de um grupo que
mistura práticas jurídicas do lavajatismo com as paranoias ideológicas do
bolsonarismo. Cargos públicos estão sendo utilizados para proteger interesses
privados dos reacionários do país. E há quem diga que as instituições seguem
funcionando normalmente.
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