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Direita dos EUA financia fake news no Brasil


Grupos fundamentalistas despejaram ao menos R$ 220 milhões na América Latina. Dinheiro produziu montanhas de mentiras sobre covid, mitos antiaborto e o ódio aos LGBTI. Objetivo final: destroçar sistema de proteção de direitos humanos

OutrasPalavras

Direita Assanhada

por Isabella Cota e Diana Cariboni

Publicado 11/11/2020 às 18:19 - Atualizado 11/11/2020 às 18:24



Por Isabella Cota Diana Cariboni, no Open Democracy

Meia dúzia de grupos cristãos vinculados a movimentos de extrema-direita dos Estados Unidos despejaram milhões de dólares na América Latina para promover desinformação sobre a Covid-19 e outras questões de saúde e direitos humanos, revela o openDemocracy.

Essas organizações estão entre 20 grupos da direita cristã que gastaram pelo menos US$ 44 milhões (R$ 1,6 bilhões) de “dinheiro escuro” na América Latina desde 2007. Várias estão ligados à administração do presidente Donald Trump.

Nenhuma dessas organizações revela a identidade de seus doadores ou detalhes de como exatamente gastam seu dinheiro na América Latina. Muitos não mencionam suas operações latino-americanas em seus sites.

Um grupo chamou a Covid-19 de “o esforço de engenharia social e ideológico mais monumental da história”. O líder de outra organização também faz parte de um grupo de lobby anti-China, junto com o ex-conselheiro de Trump, Steve Bannon – e afirma que o coronavírus foi desenvolvido em um laboratório chinês.

Pelo menos três desses grupos americanos atacaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) durante a pandemia, alegando, por exemplo, que ela está “usando a Covid-19 para disseminar o aborto”. O governo Trump anunciou, no início deste ano, que suspenderia o financiamento dos EUA para o órgão de saúde global.

Dois grupos também apoiaram projetos antiaborto na América Latina e foram acusados ​​de usar “enganação e manipulação” contra mulheres vulneráveis. Outra organização financiou um aplicativo polêmico que oferece conselhos “enganosos” para desencorajar o uso de anticoncepcionais.

Todos esses grupos americanos promovem uma visão estrita de uma “família tradicional” e são contra o aborto e a igualdade LGBT. A América Latina já tem algumas das taxas mais altas do mundo de gravidez na adolescência e assassinato de pessoas LGBT; muitos defensores dos direitos humanos dizem que esses grupos estão agravando a situação.

Alejandra Cárdenas, do Center for Reproductive Rights, diz que essas descobertas “provam uma manipulação que vimos há anos por parte da direita cristã dos EUA na América Latina e na África, com o objetivo de romper o tecido social e a proteção dos direitos humanos pelos quais os movimentos populares lutaram”.

Esses grupos “usam o Sul Global como um laboratório para campanhas de desinformação”, diz ela, com “custos incalculáveis ​​para vidas e o bem-estar”.

O senador brasileiro Humberto Costa (PT-PE) acrescentou que “essas descobertas confirmam que existe uma rede internacional por trás de ações orquestradas para desinformar e atacar grupos específicos com mensagens de ódio”.

Conspirações sobre a Covid-19

Em fevereiro, quando as infecções por coronavírus começaram a aumentar globalmente, o veterano ativista antiaborto dos Estados Unidos Steven Mosher escreveu um artigo em que alega que o vírus foi criado em um laboratório chinês como uma arma biológica e então liberado, intencionalmente ou acidentalmente. O presidente Trump divulgou esse artigo, que foi removido pelo Facebook.

Mosher dirige um grupo americano chamado Population Research Institute (PRI), que publicou um livro online em inglês e espanhol alegando que a fabricação do vírus na China tem a “intenção clara (…) de modificar radicalmente o mundo que conhecemos por meio da engenharia social”.

Mosher também é membro do conselho de um grupo de lobby anti-China que ele co-fundou com St

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eve Bannon, ex-diretor de campanha de Trump. No começo deste ano, Bannon foi acusado de fraude em uma campanha de arrecadação de fundos para construir um muro entre os EUA e o México. Ele negou as acusações.

O PRI gastou mais dinheiro na América Latina do que em qualquer outro lugar do mundo, fora dos EUA – mais de US$ 1 milhão (R$ 5,67 milhões) entre 2008 e 2017. Embora não seja o grupo que mais gasta na região, parece ser um dos mais ativos.

Entre suas atividades, o PRI afirma ter treinado funcionários do CitizenGo, um grupo conservador com sede na Espanha que tem ligações com partidos de extrema direita em toda a Europa. O PRI treinou a CitizenGo “no uso de ferramentas de estratégia política, análise comunicacional e de cenário”, e o diretor do PRI para a América Latina, o peruano Carlos Polo Samaniego, também é membro do conselho da CitizenGo.

Polo foi acusado por seu filho, o ativista de direitos LGBTI Carlos Polo Villanueva, de tê-lo ensinado a manipular os resultados de uma pesquisa online sobre a legalização do aborto no Peru.

“Eu tinha dez ou doze anos e meu pai me perguntou se eu queria ajudá-lo em seu trabalho”, seu filho disse ao openDemocracy. “Ele me colocou na frente de um computador, dizendo ‘você primeiro vota aqui contra o aborto, depois vai para os cookies, desativa os cookies, volta à página da web e vota novamente. Faça isso quantas vezes você puder'”, afirmou.

O filho de Polo também afirmou que escolas católicas e evangélicas pressionavam seus alunos a participar de “marchas pela vida” organizadas por seu pai e outros ultraconservadores. “Eu fui a marchas contra o aborto quando criança porque nossa escola fazia lista de chamada. Fui obrigado a ir em 2009 e 2010”, ele disse.

Polo não negou as acusações de seu filho quando questionado pelo openDemocracy. “Obviamente, há muitas diferenças entre os pontos de vista dos ativistas LGBTI e dos PRI. Os ativistas LGBTI são livres para expressar suas opiniões. Eu sei o que meu filho Carlos pensa. Eu o amo como filho e o respeito como pessoa, apesar de termos opiniões conflitantes. O PRI defende e promove a liberdade de expressão para todos as pessoas”, Polo disse.

Em abril, a CitizenGo lançou uma petição online para “tirar o financiamento” da OMS, alegando que ela usa dinheiro público para “promover informações falsas sobre a Covid da China comunista”, bem como “ensinar a masturbação para crianças de 0 a 4 anos (…) e forçar médicos a realizar cirurgia de redesignação sexual em crianças”.

Desinformação sobre a Covid-19

Outro dos grupos analisados ​​pelo openDemocracy é a Sociedade Americana de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que divulgou ter gasto pelo menos US$ 2,7 milhões (R$ 15,3 milhões) na América Latina desde 2007.

Fundada no Brasil em 1960 como uma rede católica anticomunista, sua filial nos Estados Unidos classificou a atual crise do coronavírus como “a tentativa de engenharia social e ideológica mais monumental da história”.

Um membro brasileiro da rede TFP publicou artigos negando a existência de casos de Covid-19 no Rio de Janeiro e alegando que os números de mortes por coronavírus foram “inflados e manipulados” pela mídia e políticos para alimentar “medo e desesperança”.

Com a justificativa de combater “esse vírus, a Igreja é perseguida, os bons são perseguidos”, afirma um dos artigos publicados pelo Instituto Plinio Corrêa de Oliveira da TFP no Brasil, referindo-se ao fechamento temporário de igrejas no país – que atualmente possui o segundo maior número de mortes por Covid-19, atrás apenas dos EUA.

“O público deve saber quem está por trás dessas campanhas e entender seu alinhamento com as causas políticas”, disse Cárdenas, do Centro de Direitos Reprodutivos. “Por que eles estão interessados ​​em enfraquecer os sistemas de proteção da saúde pública, como a OMS? Quem se beneficia disso?”

“A desinformação é chave para a tática da direita latino-americana de desmantelar direitos”, acrescentou Thiago Amparo, professor de direito do instituto educacional Fundação Getulio Vargas de São Paulo. “Por serem financiadas transnacionalmente, essas táticas de desinformação funcionam como ferramentas disruptivas nas democracias da região.”

“Não estamos por trás ou cientes de nenhuma campanha e certamente negamos querer enfraquecer ou tomar qualquer atitude contra a saúde pública”, disse o grupo americano TFP ao openDemocracy. Acrescentou que os artigos publicados por sua “organização irmã autônoma” no Brasil “não são declarações oficiais” do grupo.

Um dos artigos foi escrito por um padre católico que não é membro da TFP, dizia, e o outro é um comentário sobre estatísticas do governo..

Desinformação sobre saúde reprodutiva

O presidente do grupo conservador católico americano Human Life International também afirmou que a OMS está “usando a Covid-19 para disseminar o aborto”.

Este grupo gastou US$ 2,3 milhões (R$ 13 milhões) na América Latina desde 2007. Junto com outro grupo antiaborto dos EUA, Heartbeat International, ele apoia uma rede de “centros de gravidez de crise” que foram acusados ​​de enganar e manipular mulheres latino-americanas, como o openDemocracy revelou esse ano.

[…]

Gastos não divulgados

Desde 2007, 28 grupos cristãos vinculados à direita americana investiram pelo menos US$ 280 milhões (R$ 1,58 bilhões) em atividades relacionadas ao redor do mundo, liderados por seus gastos na Europa (quase US$ 90 milhões, ou R$ 508 milhões), o openDemocracy revelou.

No entanto, esses dados subestimam a influência da direita cristã dos EUA e os gastos internacionais. O dinheiro enviado por meio de igrejas ou grupos registrados como “afiliados de igrejas”, por exemplo, não está incluído no total porque essas organizações não são obrigadas a divulgar publicamente seus gastos.

 

A Billy Graham Evangelistic Association (BGEA) é a que mais gasta na América Latina, com um gasto pelo menos US$ 21 milhões (R$ 118,6 milhões) na região entre 2007 e 2014, além de quase US$ 10 milhões (R$ 56,5 milhões) no México e Canadá. A organização é liderada pelo filho do falecido televangelista americano Franklin Graham – um defensor declarado de Trump, que afirmou que Deus esteve por trás das eleições de 2016.

Graham – que caracterizou o cancelamento de seus festivais na Europa devido à Covid-19 como “guerra espiritual” – também esteve na Rússia no ano passado em uma reunião com um oficial do Kremlin, que está sob sanções dos EUA, em uma viagem que ele disse ter sido aprovada pessoalmente pelo vice de Trump, Mike Pence.

A partir de 2014, o BGEA deixou de divulgar suas informações financeiras por ter obtido a reclassificação como “associação de igrejas”.

Focus on the Family, organização que gasta o segundo maior valor da América Latina (US$ 6,2 milhões, ou R$ 35 milhões, entre 2008 e 2018), oferece programas online, podcasts e aconselhamento em espanhol com a mensagem de que a homossexualidade “não é normal” e a identidade trans é um “transtorno que precisa ser tratado“.

O fundador desse grupo, James Dobson, se pronunciou contra o impeachment de Trump e celebrou suas posições antiaborto e pró-Israel. No início de 2020, Jenna Ellis, que já trabalhou para Dobson, foi nomeada conselheira legal de campanha de Trump.

Cárdenas, do Centro de Direitos Reprodutivos, acusou todos esses grupos de trabalhar “para colapsar o sistema de proteção dos direitos humanos, que é seu objetivo oculto e final”. “Espero que esta investigação seja amplamente compartilhada e nos ajude a abrir os olhos para sua agenda completa”, disse.

Em resposta aos questionamentos do openDemocracy, Polo do PRI disse que o grupo “cumpre as leis dos EUA e do Peru” e que todas as suas informações financeiras foram “registradas publicamente e estão disponíveis para qualquer cidadão, conforme estabelecido por lei”.

Ele disse que o Facebook reverteu sua decisão de remover o artigo do diretor do PRI, sobre as origens da Covid-19, uma ação tomada “sem explicação, provando que censurar a publicação de Steven Mosher foi indubitavelmente um erro”.

“Estamos em total conformidade com a lei dos EUA no que divulgamos ou não divulgamos”, disse a TFP americana ao openDemocracy. Sobre os direitos LGBT, disse: “Nossa posição é a da Igreja Católica, que considera os atos homossexuais um pecado grave”.

A BGEA disse ao openDemocracy que foi reclassificada como uma associação de igrejas porque vinha operando dessa forma “há anos, já que praticamente tudo que a BGEA faz é em cooperação com igrejas” – e porque tal registro oferece aos grupos mais proteção contra a interferência do governo.

O arquivamento de divulgações sem fins lucrativos tornou-se “cada vez mais oneroso”, acrescentou, embora “continue a se submeter a uma auditoria financeira independente a cada ano e publique uma demonstração financeira consolidada em seu site para revisão pública”.

Focus on the Family se limitou a dizer: “Acreditamos no valor e na importância inerente de cada indivíduo, e é por isso que apoiamos com tanto entusiasmo as políticas destinadas a fortalecer as famílias em todo o mundo”.

HLI, WYA e CitizenGo não responderam aos pedidos de comentários do openDemocracy.

Isabella Cota e Diana Cariboni

Isabella Cota é jornalista focada em finanças e reportagens investigativas. Foi correspondente da Reuters e da Bloomberg News no Reino Unido, na Costa Rica e em sua terra natal, o México, antes de se tornar jornalista independente. Trabalhou com o Quinto Elemento Lab e seus textos já foram publicados em jornais como The Guardian, The Independent, Univision e BusinessWeek, entre outros.

Diana Cariboni é jornalista e escritora argentina que vive no Uruguai. Autora de "Guantanamo entre Nosotros" (2017). Suas reportagens foram publicadas em The Guardian, La Nación, entre outros. Foi coeditora do IPS e comandou sua base latino-americana por mais de dez anos.

 

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